10.3.12

Valor Econômico - Livros

Dos longos concertos à descoberta do mundo digital
Por Olga de Mello | Para o Valor, do Rio

Wikimedia / WikimediaTyler Cowen: facilidades da internet levarão a uma nova ordem cultural

Em tempos de recessão, as populações se voltam para prazeres menos dispendiosos, como na Grande Depressão, em 1930, quando os americanos cortaram os programas noturnos e se dedicaram a entretenimentos caseiros, em família - o que determinaria uma mudança no estilo de vida do país.
Wikimedia / WikimediaTyler Cowen: facilidades da internet levarão a uma nova ordem cultural

Em tempos de recessão, as populações se voltam para prazeres menos dispendiosos, como na Grande Depressão, em 1930, quando os americanos cortaram os programas noturnos e se dedicaram a entretenimentos caseiros, em família - o que determinaria uma mudança no estilo de vida do país. Para o economista Tyler Cowen, vive-se hoje um fenômeno semelhante, em que a diversão e os relacionamentos passaram a se estruturar sem depender de gastos além do que se paga pela conta da internet. Entusiasta das interações a partir das novas tecnologias, em "Crie Sua Própria Economia - O Guia da Prosperidade para um Mundo em Desordem" Cowen procura demonstrar que o acesso à informação e ao conhecimento levará a uma nova ordem cultural.

Quem não conhece o envolvente estilo de Cowen, economista renomado, que escreve para diferentes publicações, como "New York Times", "Wall Street Journal" e "Washington Post", vai descobrir que o autor faz sua exposição como se estivesse na sala de aula da Universidade de George Mason, onde leciona economia. É o professor que conduz a linha de raciocínio do leitor para uma imensa gama de temas relacionados aos novos tempos, dominados pela internet e tudo o que ela oferece.

Nessa aula por escrito, Cowen demonstra conhecimento profundo de assuntos diversos. Discorre sobre literatura, cultura pop, artes plásticas, política, filosofia, pontuando com algumas noções de economia e de neurociência - interligando-os com a mesma agilidade oferecida pelos sites na internet. Em quase todos os capítulos há referências e exemplos de autistas bem-sucedidos, pois Cowen vê semelhanças entre o raciocínio de pessoas com essa peculiaridade de comportamento e o pensamento do homem contemporâneo, que seria fragmentado, aparentemente superficial, mas que se caracteriza pela especialização em algum tópico. O próprio Cowen se identifica com alguns traços autistas - introversão, introspecção e fascínio pela coleta de informações -, que percebe também em alguns homens notáveis, entre eles Kant, Adam Smith, Mozart e Michelangelo, em personagens literários, como Sherlock Holmes, ou no protagonista do seriado de televisão "House".

Cowen é um entusiasta da internet em quase todos os seus aspectos, principalmente por democratizar o acesso ao conhecimento, o que estaria estressando usuários devido à sobrecarga de informações. Ele não concorda com tais críticas. A dita superficialidade dessas informações decorreria da facilidade do acesso, que encurtou "distâncias" e abriu um leque maior de opções de conhecimento. Uma das consequências seria o desinteresse por textos extensos. Segundo Cowen, no começo do século XIX, um concerto musical poderia durar até seis horas. O deslocamento da plateia até o local da apresentação era difícil e exigia que houvesse outras atrações além da música, envolvendo, geralmente, um grande acontecimento social. Hoje, a facilidade de alcançar o entretenimento - ou o conhecimento - obriga à redução de informações, porque as atenções se voltam para vários campos.

A capacidade de as pessoas se adequarem a múltiplas tarefas é outro ponto positivo que a internet estimulou, já que cada vez mais se consegue reunir e manipular informações, relacionando-as e filtrando o que mais interessa, diz Cowen, que, no livro, disseca, entusiasticamente, as novas formas de comunicação - e as emoções ligadas aos novos veículos, como Twitter, Facebook, You Tube e mensagens instantâneas. O hábito de enviar "torpedos", disseminado entre os namorados japoneses, antes e depois dos encontros, destaca Cowen, criou uma forma diferente de cortejar, com palavras carinhosas, que confortam os envolvidos, causando satisfação. O economista diz que o Facebook deixou o mundo "mais amigável - um sentimento melhor do que a indiferença e a negligência contínua", embora admita temer que a rede social torne a amizade "um pouco fácil demais", desvalorizando os relacionamentos afetivos, já que "a sensação de sacrifício às vezes nos leva a apreciar algo com mais intensidade".

Pequenas contradições que surgem volta e meia no texto não reduzem a força das palavras de Cowen, que minimiza a acusação de que a internet reduziu a capacidade de atenção dos usuários. O economista lembra que críticas semelhantes já foram dirigidas "à maioria dos novos meios culturais ao longo dos tempos", como o romance, no século XVIII, os quadrinhos, o rock'n roll e a televisão. A fragmentação da atenção seria a forma de montar blocos de interesse, que ajudam na compreensão de tendências e narrativas.

De economia, propriamente dita, Cowen pouco trata. Ele afirma que seu livro é um "regresso às fundações originais da economia", já que a obra da vida de Adam Smith foi mesclar raciocínio econômico com a filosofia moral estóica e psicologia aplicada. A construção da felicidade, objetivo primordial do homem, que precisa se convencer de que tem uma vida agradável para sobreviver, consegue apoio até na superexposição da privacidade na internet.

Cowen elogia a ordenação de fotografias, o compartilhamento de momentos íntimos e das experiências pessoais, que ajudam a criar a ilusão da felicidade plena. Respaldado por Adam Smith, para quem poucos homens seriam capazes de se satisfazer com a própria consciência íntima, Cowen elogia a internet não apenas por seu aspecto congregador de pessoas que jamais se conheceriam pessoalmente e têm interesses comuns, mas por permitir que elas se sintam únicas pelo reconhecimento público: "O e-bay faz com que itens de colecionador se transformem em uma maior fonte de orgulho".

A vida virtual, no entanto, não é suficiente para satisfazer a maioria das pessoas, lembra o economista. Mesmo que o cinema e a televisão tenham substituído o teatro como meio de entretenimento, ainda existe necessidade de apresentações ao vivo, personalizadas. O aprendizado é mais eficiente em salas de aula, com professores motivando os alunos e a presença física dos colegas tornando a experiência vívida, diz Cowen. "Existe um novo plano para a organização de pensamentos e sentimentos humanos. O uso adequado do entretenimento e da educação se transformou no mais fundamental empreendimento social", afirma o economista.
"Crie sua Própria Economia - O Guia da Prosperidade para Um Mundo em Desordem"

Tyler Cowen. Record. 252 páginas, R$ 37,90

http://www2.valoronline.com.br/cultura/2543272/dos-longos-concertos-descoberta-do-mundo-digital

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