28.4.10

Valor Econômico - livros

Carioquices que fazem acontecer
por Olga de Mello, para o Valor, do Rio
27/04/2010


Alguma informalidade e muita flexibilidade, combinadas a cordialidade no comando de equipes, levaram ao surgimento de um novo perfil de profissional no mundo dos negócios, que credita seus bons resultados no cumprimento de metas não a formas de administração, mas à cultura de sua cidade. Este é o gestor carioca, que tem o comportamento analisado em 28 entrevistas reunidas no livro “Jeito Carioca na Gestão de Pessoas” (Prestígio Editorial, R$ 64,90), de Luiz Moura.

Especialista em gestão e RH, Luiz Moura conversou com 28 executivos. Buscou lideranças não apenas no universo corporativo: entre os entrevistados estão o técnico de vôlei Bernardinho, o carnavalesco Laíla e uma amiga do autor, Mariza Alves, que foi síndica, durante doze anos, de um grande condomínio na Barra da Tijuca.

“Eles lideram equipes das quais se exige grandes performances. Laíla faz espetáculos com 4 mil figurantes, enquanto Bernardinho treina grupos de atletas de quem se espera o máximo de rendimento. Já a Mariza administrou um condomínio onde vivem cerca de 2 mil pessoas. É como estar à frente de uma empresa”, diz Luiz Moura, um carioca de Vila Isabel, com mais de 40 anos de experiência em gestão.

A seleção privilegiou os cariocas natos, incluindo ainda quatro gestores que adotaram a cidade, e também representam a cultura do Rio de Janeiro, como a presidente da seguradora Icatu Hartford, Maria Sílvia Bastos, nascida no interior do estado, mas que mudou-se para a capital na juventude. Apenas uma entrevistada vive fora do Rio, a delegada da Polícia Civil paulistana Sandra Claro.

“Sandra se radicou em São Paulo, mas mantém o sotaque e a flexibilidade típicos da cultura carioca”, afirma o autor, ressaltando que o livro não é uma exaltação ao estilo carioca de administrar, mas a constatação de um perfil de gestor. “Pretendo traçar o perfil de mineiros e paulistas na gestão de pessoas em outros livros”, informa Luiz Moura.

Mesmo atuando em diferentes áreas, os entrevistados apontaram a intensa relação com a cidade, através da apropriação dos espaços públicos. A convivência de diferentes categorias sociais, tanto nas praias da Zona Sul como nas ruas e praças das outras regiões ajuda a romper com a sisudez do ambiente profissional.

“Quem foi criado na Zona Sul, pegou jacaré e jogou bola na praia, enquanto os da Zona Norte soltavam pipa e brincavam na rua, juntando os meninos pobres com os de classe média. O asfalto e o morro sempre se encontram no Rio de Janeiro e isso é uma experiência que favorece o gestor carioca no encontro com sua equipe, ele sabe se dirigir a todos os tipos de pessoa. Quem é de fora do Rio percebe a flexibilidade na capacidade de superação e de enfrentar adversidades, sempre temperadas com um calor humano que caracteriza o carioca”, diz Moura.

O bairrismo carioca também é percebido como positivo pelos executivos por demonstrar o entusiasmo que caracteriza os moradores do Rio.

No livro de Luiz Moura, o Rio de Janeiro aparece como referência para todos os entrevistados. “A cidade é cultuada por seus moradores. Quase todos têm muitas atividades ao ar livre. Bernardinho foi me encontrar de bicicleta. Ele se alimenta da natureza, assim como muitos executivos não dispensam uma caminhada na praia antes de trabalhar ou no fim do expediente. Isso ajuda a relaxar, a suportar pressões e competição sem tanto estresse”, acredita Luiz Moura, que começou a pensar no livro no dia 1° de janeiro de 1990, passeando pela praia de Copacabana.

“Às 7h a praia já estava limpa, depois de ter recebido mais de um milhão de pessoas. As equipes da Comlurb, a empresa de limpeza da cidade, começaram a trabalhar assim que o sol nasceu, recolhendo as toneladas de papéis, garrafas de champanhe, o resto da festa da virada do ano. Isso só dá certo porque é fruto de um excelente processo de gerenciamento”, destaca Moura.

A exuberância natural dos cariocas, no entanto, ainda causa estranheza aos profissionais estrangeiros que chegam à cidade. Segundo Ana Lúcia Vales Domingues Macedo, mestre em Letras pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), o carioca ainda parece invasivo e efusivo ao extremo para quem não conhece os códigos da cidade. “Isso chega à esfera profissional, embora normalmente os cariocas sejam mais contidos no trabalho. A informalidade sempre existe, mas é menor”, diz Ana Lúcia, que é professora de português para estrangeiros e observa aspectos de tratamento social no Rio de Janeiro em sua dissertação de mestrado “Para depois do elogio – um estudo sobre a polidez carioca”.




Luiz Moura concorda que a informalidade carioca respeita os limites do escritório. “Essa história de dizer que no Rio todo mundo passa o dia na praia já caiu de moda. O carioca cumpre prazos e quer alcançar resultados, como todos os outros profissionais”, diz Moura. De acordo com Ana Lúcia Vales, se a princípio os estrangeiros que vêm trabalhar no Rio se assustam com o que consideram excesso de intimidade dos cariocas, aos poucos eles são conquistados pela cultura da cidade. “A grande maioria deles se rende à interação, mesmo estranhando, a princípio, os cumprimentos com abraços e beijos. O único aspecto que eles jamais compreendem é o hábito de ser extremamente caloroso com desconhecidos aos quais nunca mais encontrará na vida. Eles levam a sério o famoso “a gente se vê”, que não sai do discurso e que é quase uma forma de cortesia carioca”, diz Ana Lúcia.