16.3.07

Valor Econômico - Fé e Religião

Confissões de crença e descrença

Personalidades culturais americanas falam do que vêem, ou não, quando olham para além de suas terrenas existências
Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio

Cada vez mais diluída no mundo das idéias contemporâneo, a figura de um criador do universo ainda é percebida e reverenciada por muitos intelectuais, mesmo quando criticam as instituições religiosas e o fanatismo de adeptos de todas as confissões de fé. Buscando revelar a idéia de divindade construída por cada um, o documentarista e jornalista Antonio Monda reuniu 18 entrevistas com personalidades do meio cultural norte-americano no livro “Deus e Eu – Conversas sobre fé e religião” (Casa da Palavra). A relação de entrevistados é encabeçada pelo Prêmio Nobel da Paz de 1986, Elie Wiesel, e inclui ainda três ganhadores do Nobel de Literatura – Saul Bellow, Derek Walcott e Toni Morrison -, os cineastas Spike Lee, David Lynch e Martin Scorcese, a atriz Jane Fonda, o arquiteto Daniel Libeskind, os escritores Paul Auster, Salman Rudshie, Michael Cunningham, Richard Ford, Paula Fox, Nathan Englander, Grace Paley e Jonathan Franzen, e o historiador Arthur Schlesinger Jr, que apresentam visões totalmente diferenciadas sobre as formas de vivenciar a fé e o quanto a religião tem de importância na formação pessoal e profissional de cada um.

Esta semana Antonio Monda faz sua primeira visita ao Brasil para promover o livro, com palestras e debates agendados no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Professor de cinema na Universidade de Nova York, admirador do Cinema Novo e da “figura quase mítica” de Glauber Rocha, quer aproveitar a viagem para conhecer artistas e cineastas brasileiros contemporâneos. Os variados matizes espirituais dos brasileiros, no entanto, são encarados com ceticismo pelo escritor, que se define como católico apostólico romano e não esconde sua admiração pela tolerância da sociedade norte-americana com as diferenças religiosas. “Os católicos são apenas 24% da população dos Estados Unidos. Fazer parte de uma minoria me ensinou muito em termos de respeito e compreensão quanto às crenças dos outros”. A imagem do católico não-praticante, que exprime culturalmente o sentimento de religiosidade de boa parte dos brasileiros, não é assimilada por este italiano que considera o marxismo a representação trágica do fracasso do século XX. “O marxismo, sim, é o ópio do povo. Quem não segue os ensinamentos da Igreja não é católico. Existem dois grandes problemas nas religiões atualmente – o fundamentalismo e a Nova Era, que permite a apropriação apenas dos conceitos religiosos que sejam adequados, confortáveis para cada indivíduo”, afirma Monda, 44 anos, há 12 vivendo nos Estados Unidos.
Religião e contemporaneidade são temas diletos para Antonio Monda, que, em 2004, coordenou, no Museu de Arte Moderna de Nova York (MOMA), a mostra de filmes “The Hidden God”(O Deus Oculto), na qual buscava analisar a religiosidade oculta em filmes dos mais diferentes autores. O assunto começara a interessá-lo em fins de 2002, quando fez uma série de entrevistas sobre religião para o jornal italiano La Reppublica: “Passei três anos recolhendo material para o livro e, embora muitos intelectuais evitem abordar esse tema, eles foram muito honestos em seus depoimentos. Alguns hesitaram antes de aceitar o convite, porém, depois, foram extremamente generosas e diretas. Constranger-se em falar sobre suas convicções religiosas é bobagem, tanto que muitos artistas, como Cormac McCarthy discutem abertamente a religião. Outros falam indiretamente, através de seus trabalhos”, diz Monda, que acredita ter conseguido traçar um panorama da diversidade cultural americana.
Para conversar com judeus, ateus, agnósticos, católicos e até um praticante de meditação transcendental – David Lynch -, Antonio Monda despiu-se de seus conceitos religiosos. Ele conta que desconhecia as convicções de alguns dos entrevistados e afirma ter aprendido muito sobre espiritualidade com todos os que conversou. “Fiquei sinceramente comovido com a força de Eli Wiesel, com sua fé tão dolorida. Também me emocionou o depoimento do escritor Nathan Erglander, que não tem certeza sobre a existência da vida após a morte, mas que acredita que seu avô esteja no Paraíso”. A identificação parece maior com o também católico – e de origem italiana - Martin Scorcese. Ex-coroinha, o cineasta, que já levou à tela as vidas do Dalai Lama e de Jesus Cristo, conta que desde a infância se sentia motivado pela iconografia e pelo aspecto dramatúrgico da missa e dos ofícios religiosos. Na entrevista, Scorcese analisa sua relação com a religião e como ela está em seus filmes.

Antonio Monda teve que se submeter às exigências de alguns entrevistados. Saul Bellow, avisou que se reservava o direito de não responder ao que não quisesse e pediu que não houvesse insistência em relação a alguns temas. Bellow não quis revelar como era Deus em sua imaginação, o que o escritor Michael Cunningham associa a uma mulher negra, parecida com a babá que cuidava dele em criança, e o poeta Derek Walcott pensa como um homem branco, sábio e de barbas. Já a atriz Jane Fonda enxerga em Cristo o primeiro feminista da História, por igualar os direitos das mulheres de sua época aos dos homens. Militante de causas políticas e sociais nas décadas de 60 e 70, a atriz critica, no entanto, as instituições religiosas, também condenadas por Spike Lee e Paul Auster, que lembra quantas vezes o nome de Deus foi usado para conquistar ou matar. A eles se junta Salman Rudshie, um ateu que lamenta o sangue derramado em nome de Deus.

Enquanto se põe ao lado de boa parte de seus entrevistados, críticos ferrenhos do fundamentalismo e das chamadas guerras santas, Antonio Monda diz temer a onda de ultraconservadorismo protestante nos Estados Unidos: “Não gosto do crescimento dessa direita conservadora, porém não os coloco, de maneira alguma, na mesma categoria que o fundamentalismo muçulmano. A posição das mulheres, por exemplo, é outra no panorama norte-americano. Com todas as contradições, os Estados Unidos são um país livre, provavelmente o mais livre no mundo”, afirma Monda que se diz horrorizado com o que vem acontecendo no Iraque, por ser pessoalmente contra guerras.