8.2.11

Valor Econômico - Livros

Lançamentos: Assuntos consagrados devem disputar espaço com obras de apelo oportunista.
O outro lado das histórias vai chegando às livrarias
Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio



Os negócios na era da internet, revelações sobre os bastidores de empresas bem-sucedidas - e o desacordo entre seus criadores -, as perspectivas econômicas dos países emergentes, desenvolvimento sustentável. As mais recentes abordagens desses temas, sob diversos ângulos, são as principais apostas das editoras brasileiras, em 2011, na área de economia e negócios. Os lançamentos apresentam o que há de mais recente em administração e gestão, incluindo ainda estudos sobre a consolidação das companhias que hoje dominam o panorama econômico mundial.

À parte as escaramuças judiciais travadas no momento em que as sociedades são desfeitas, tornou-se comum executivos contarem o seu lado da história em livro - principalmente os que dependem da imagem pública para tocar suas próprias carreiras. O ex-porta-voz do Wikileaks, Daniel Domscheit-Berg, é um desses. Seu livro "Inside Wikileaks", que sai no Brasil pela Campus/Elsevier, tem lançamento mundial em março. Domscheit-Berg, que trabalhou três anos com Julian Assange na elaboração do site, já anunciou seu novo projeto, o portal Openleaks - informativo, simplesmente, sem o objetivo de divulgar documentos secretos.

Em abril, a Campus/Elsevier lança "Idea Man", de Paul Allen, cofundador da Microsoft, que acusa o ex-sócio Bill Gates de tê-lo prejudicado na empresa. Seguindo uma linha mais tradicional, o fundador da Starbucks, Howard Schultz, conta como fortaleceu a rede de cafeterias em "Onward", que chega às livrarias no mesmo mês, quando também sairá "Macrowikinomics", a análise de Don Tapscott, um dos mais reconhecidos especialistas em internet, sobre o atual momento das mídias sociais.

Ainda enfocando o universo das empresas virtuais, a Saraiva publica, em agosto, "Nos Bastidores do Google", de Aron Goldman, que examina a trajetória de fortalecimento da marca. Outros lançamentos da editora em 2011 privilegiam a visão sobre companhias e empreendedores que estabeleceram novos padrões em negócios. Em maio sai "Be Our Guest", uma publicação do Instituto Disney, que analisa a metodologia Disney no atendimento de clientes. Na contramão da inovação está o especialista em estratégia internacional Oded Shenkar. Autor de "Copycat", que a Saraiva lança em maio, Shenkar argumenta que observar e imitar iniciativas já consagradas por concorrentes é menos oneroso do que investir em estratégias ainda não experimentadas.

Em contraponto às ideias de Shenkar está "Risco", de John Adams, que será publicado no Brasil pela editora Senac-SP. O ambientalista e geógrafo britânico acredita que o fascínio pelo risco estimula as soluções para superar desafios, o que pode ser aplicado no gerenciamento estratégico empresarial.

O desenvolvimento sustentável como valor para toda a sociedade, e não apenas item obrigatório das agendas de responsabilidade social das corporações, é destaque em três títulos da Senac-SP. "Economia e Ecologia", de Frank Dominique Vivien, defende a compreensão integral do conceito, combinando a proteção da natureza com o crescimento econômico. Em "Sustentabilidade - A Legitimação de um Valor", o economista José Eli da Veiga analisa o significado de sustentabilidade dentro do panorama atual, incluindo não apenas os esforços de proteção ao ambiente, mas a necessidade da incorporação do conceito por todas as camadas da sociedade. "Novos Indicadores de Riqueza", de Jean Gadrey e Florence Jany-Catrice, discute parâmetros, além do produto interno bruto (PIB), para a aferição do índice de crescimento econômico, entre eles a qualidade de vida e a conservação ambiental.

Os novos caminhos da economia mundial levam a reflexões sobre o papel dos governos. Uma análise sobre o chamado capitalismo de Estado está em "O Fim do Livre Mercado", de Ian Bremmer, que a Saraiva lança em março. Presidente do Eurasia Group, consultoria especializada em análise de riscos políticos globais, Bremmer critica os sistemas em que o Estado utiliza o poder dos mercados para o controle da geração de riquezas, além de questionar o sucesso do crescimento econômico da China, por não estar associado à liberdade de expressão.

A indução de consumo em países emergentes merece estudo detalhado em "Admirável Marketing Novo" (Bestbusiness), de Max Lenderman. Para conquistar novos consumidores vale até fundar um banco. O Russian Standard, responsável pela emissão de 77% dos cartões de créditos da Rússia, foi criado para fortalecer a marca do mesmo nome, atualmente a vodca mais vendida no país.

Em março, a Campus/Elsevier lança "Brasil 2022", uma compilação de artigos de especialistas em economia e política, organizada por Fabio Giambiagi e Claudio Porto. Segundo o diretor da editora, Igdal Parnes, o livro permite fazer uma projeção de "como será o cenário do Brasil na época da comemoração do bicentenário da Independência, num percurso que começa com a estabilização da moeda.

4.2.11

Valor Econômico - Mercado Editorial

Da crítica ao capitalismo a leves textos de autoajuda
Olga de Mello, para o Valor | Do Rio
25/01/2011

Parece não haver limites para a variada bibliografia de economia e negócios.

Em meados deste ano, o filósofo Zigmunt Bauman, autor de contundentes críticas ao consumismo e ao capitalismo dos tempos atuais, vem ao Brasil para o lançamento de um dos quatro de seus livros que a editora Zahar publica em 2011. Bauman é um dos muitos autores que têm abordado assuntos como economia e filosofia com linguagem acessível a diferentes tipos de leitor. Dirigentes das principais editoras do país acreditam que, ao lado de finanças pessoais, desenvolvimento sustentável e empreendedorismo, a economia ao alcance de todos deverá ser um dos temas dominantes nas vitrines das livrarias este ano.

Desde 1986, a Zahar publicou 21 títulos de Bauman, com 280 mil exemplares vendidos. Há duas semanas, saiu “Bauman sobre Bauman”. Para a editora Cristina Zahar, o filósofo conquistou leitores pela simplicidade de um discurso que alcança todos os públicos. “Há 30 anos começamos a trabalhar livros que pensassem a economia através de um viés bastante amplo. Foi quando publicamos “A História da Riqueza do Homem”, de Leo Huberman. Virou um fenômeno de vendas, como “Capitalismo Global”, de Jeffrey Frieden, lançado em 2008, que acabou sendo adotado por cursos de economia e MBAs. É possível que o mesmo aconteça com “A Prosperidade do Vício”, de Daniel Cohen, que trata da economia através da história. Procuramos títulos que não se destinem apenas aos especialistas em economia.”

A linguagem menos rebuscada para os temas econômicos não ameaça os livros de negócio nem os do chamado “light business”, que continuam à frente dos lucros no segmento. “É impossível dispensar os títulos de autoajuda em negócios”, afirma Sérgio Machado, presidente do grupo editorial Record, o maior do país, que há um ano abriu o selo Bestbusiness, especializado no gênero. Ele lembra que, lançado em 1996, “Quem Mexeu no Meu Queijo”, de Spencer Johnson, já vendeu acima de 1,3 milhão de exemplares, perdendo em vendagem, dentro das editoras do grupo, apenas para “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, que está há mais de 50 anos no mercado.

“Quero publicar livros para um público novo de comerciantes, prestadores de serviços, interessados em conhecer casos de sucesso, em ler biografias de homens de negócios, em empreendedorismo. Para o estudante do MBA, que procura títulos que estejam na fronteira do pensamento de economia e negócios, temos livros da Harvard Business School”, diz Machado.

Marketing social, design e ‘ecobusiness’ devem ser os títulos predominantes nas livrarias por mais alguns anos, acredita Machado, que está em busca de histórias brasileiras de sucesso para publicar, aproveitando o momento de crescimento econômico do país. As trajetórias empresariais de sucesso que registrem inovações em gestão costumam obter boas vendas. Publicado em 2008, “A Cabeça de Steve Jobs” (Agir) vendeu 100 mil exemplares. As trajetórias empresariais de sucesso que registrem inovações em gestão costumam corresponder a boas vendas. Ainda apostando em relatos sobre o sucesso dos “self-made men”, a editora lançou, no início de dezembro, “A Ousadia de Ser Líder”, de Richard Branson, fundador da Virgin Records.

“Esses homens criaram ambientes descontraídos em suas empresas, modificaram a postura dos empregados e obtiveram excelentes resultados. O espírito do jovem empreendedor, hoje, é a base do universo dos negócios”, diz Alexandre Mathias, diretor-executivo da Ediouro Livros, que congrega as editoras Nova Fronteira, Agir e Thomas Nelson.

Especializada em livros técnicos, a Campus-Elsevier é a editora brasileira com maior número de citações em um de seus mais recentes lançamentos, “Os 100 Melhores Livros de Negócios de Todos os Tempos”, uma seleção assinada por Jack Covert e Todd Sattersten. Os autores, os principais executivos do 800-CEO-READ, site de venda de livros de negócios, montaram um guia de obras do segmento, sem restringir-se ao que há de mais recente no mercado. Entre as indicações estão “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith, “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, “O Príncipe, de Maquiavel”, e “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin.

“O setor é de altíssimo risco, com uma imensa chance de escolhas erradas, pois os assuntos já estão muito explorados. Um tema do momento é desenvolvimento sustentável. Este ano, lançaremos um livro sobre sustentabilidade assinado pelo príncipe Charles, que provavelmente terá boa aceitação”, observa Igdal Parnes, diretor da Campus-Elsevier.

Um dos candidatos a ser um long-seller da Campus/Elsevier é “Marketing 3.0″, de Philip Kotler, que teve 20 mil exemplares vendidos este ano. “Existe um interesse grande em marketing, em design, em economia comportamental e em finanças pessoais, nicho que surgiu com a estabilidade da moeda. Temos títulos de orientação profissional e também os que apresentam o mundo financeiro ao leitor”, diz Parnes.

Editoras especializadas em economia, administração e negócios, como a Bookman, que fechou 2010 com mais de 100 novos títulos lançados, percebem interesse maior por uma visão humanitária na gestão, estratégia e liderança, ao lado de novos negócios. “Um dos novos clássicos na área é “A Riqueza na Base da Pirâmide”, de C.K. Prahalad, que está na segunda edição, e mostra como grandes empresas vêm ganhando dinheiro oferecendo produtos compatíveis com os consumidores menos favorecidos em países emergentes”, conta Arysinha Affonso, editora de ciências exatas, sociais e aplicadas da Bookman.

Marcus Vinícius Barili, gerente corporativo e editor da Editora Senac-SP, comenta que o empreendedorismo está em alta, seguido pelo desenvolvimento sustentável. Dos 14 livros lançados em 2010 no segmento que abrange administração e negócios, 6 eram focados em meio ambiente. Nos últimos três anos, esta área, que representa 13% das vendas da Senac-SP, registrou um crescimento de 60% em vendas, enquanto a produção de títulos de meio ambiente subiu 96%, diz Barili. “A Natureza como Limite da Economia”, de Andrei Cechin, e “A Economia Socioambiental”, de José Eli da Veiga, concentrados em meio ambiente, com economia e negócios como temas transversais, já tiveram novas edições em menos de um ano.

Valor Econômico - Livros

Uma história russa, de garrafa em garrafa
Olga de Mello | Para o Valor, do Rio
18/01/2011
“O Rei da Vodca – A Saga da Família Smirnov e a Construção de Um Império”

Linda Himelstein. Trad. de Ana Beatriz Duarte. 364 págs., R$ 39,00

O consumo de vodca na Rússia significa mais do que um hábito ancestral – é um ato de identidade nacional. A bebida, que surgiu por volta de 1500 como elixir medicinal, era oferecida a mulheres em trabalho de parto, recém-nascidos, doentes, soldados na frente da batalha, trabalhadores antes do início da colheita ou de uma construção, e aos que assinavam um contrato para celebrar um novo negócio. Era com os impostos da vodca que o governo imperial russo cobria todas as despesas básicas do Estado e da defesa do país em tempos de paz.

Durante mais de 40 anos, a melhor vodca russa foi produzida por Peter Smirnov, um empreendedor que saiu da linha da miséria para tornar-se um dos mais prósperos industriais de seu país nos primórdios do breve capitalismo russo, em meados do século XIX.

Em “O Rei da Vodca”, a jornalista americana Linda Himelstein conta a trajetória do “self-made man” semialfabetizado, mesclada ao registro das profundas mudanças sociais que a Rússia atravessou até a tomada do poder pelos comunistas. Atualmente, a Smirnoff não apenas é a marca de vodca mais conhecida no mundo, mas a bebida premium de maior vendagem, informa Linda, que dedicou quatro anos à pesquisa de centenas de documentos, coleta de declarações de descendentes de Smirnov e de seus filhos, além de consulta a registros históricos sobre o conturbado período de ascensão e decadência da empresa.

Hoje, a marca, que vale U$ 4,7 bilhões, pertence a um grupo britânico e a vodca Smirnoff é vendida em 130 países. A popularidade cresceu a partir da década de 1960, quando garrafas de Smirnoff foram mostradas em filmes da série 007, já que a vodca integra o Dry Martini, drink favorito do espião James Bond. Cerca de 100 anos antes, Smirnov planejou uma ousada ação de marketing para fixar a marca. Ofereceu salário, comida, roupa e hospedagem a 15 desempregados, para que percorressem pontos de venda de bebidas de Moscou e pedissem uma dose de sua vodca, que deveriam beber e elogiar. Caso não a encontrassem, reclamariam em altos brados, seguindo para outro bar e repetindo o pedido. A estratégia foi tão bem-sucedida que Smirnov mandou os contratados a todas as cidades ligadas a Moscou pela linha férrea.

Mais do que a biografia do ex-servo empreendedor que criou uma indústria de bebidas de alta qualidade, fornecendo vodca para as principais casas reais europeias, “O Rei da Vodca” reconta uma época agitada por profundas transformações sociais. Linda apresenta Smirnov como um símbolo do que seria, então, a nova Rússia, um país que abandonava o sistema feudal e engatinhava em direção ao capitalismo, buscando a modernidade e a sofisticação da Europa Ocidental, a partir do fim da servidão em que viviam 22,5 milhões de pessoas – 40% da população.

O inovador Smirnov nasceu servo, mas aprendeu a ler e a escrever, o que lhe garantiu a possibilidade de trabalhar fora das terras onde a família vivia. Pôde economizar para comprar sua própria liberdade, antes da emancipação decretada pelo governo. Com sólida formação moral tradicionalista, Smirnov financiou a restauração de várias igrejas e participou da direção de diversas instituições de caridade.

Mesmo depois de tornar-se um líder respeitado entre os fabricantes de bebida, Smirnov teve que enfrentar batalhas contra concorrentes legais ou irregulares, tanto de falsificadores quanto de produtores caseiros de vodca. Já estabelecido como expoente entre os industriais, preparou-se para o monopólio da produção e distribuição de vodca pelo governo, fruto de uma intensa campanha que pretendia combater o alcoolismo na Rússia, liderada pelo escritor Lev Tolstoi. Se o próprio Smirnov bebia raramente, apenas para provar suas próprias criações, celebrar um acordo comercial ou nas raras ocasiões sociais a que comparecia, a Rússia tinha cinco vezes mais mortes atribuídas ao alcoolismo do que a França – onde o consumo de bebidas alcoólicas per capita era sete vezes maior (15,7 litros na França contra 2,7 litros na Rússia). Segundo observadores da época, o problema estava no tipo de bebida favorita do povo. Na França eram os vinhos. Na Rússia, a vodca.

Os índices de alcoolismo permanecem altos na Rússia. Em 2006, segundo Linda, a intoxicação alcoólica levou 33 mil pessoas à morte. Muitos, provavelmente, são consumidores da Smirnoff, que teve o nome ocidentalizado e voltou a ser comercializada no território russo, depois de extinta, quando a família perdeu a empresa e o patrimônio nos desdobramentos da Revolução de 1917.

O questionamento legal de direitos sobre a produção e distribuição da vodca e as diversas ações movidas por herdeiros levaram a autora a se interessar pelo assunto, em 1996. Com informações compiladas em mais de 500 documentos, em 250 artigos de jornais e periódicos, além de mais de 900 livros e entrevistas, Linda traça o panorama de um tempo de mudanças através de uma família que não se conformou com um destino pré-estabelecido.

Valor Econômico - Economia e Arte

A relevância do dinheiro no mercado de arte
Olga de Mello | Para o Valor, do Rio
21/12/2010

“Arte & Dinheiro”Katy Siegel e Paul Mattick. Tradução de Ivan Kuck. Zahar. 223 págs., R$ 89,00

Através dos séculos, dinheiro e arte estabeleceram um relacionamento delicado. Enquanto a arte pode gerar conforto, fortuna e prestígio para criadores e patrocinadores, o dinheiro, geralmente, é um componente que interessa à produção artística. Definir os limites dessa relação e quando o dinheiro passa a ser tema – ou se transforma em objetivo – da arte são algumas das reflexões suscitadas por “Arte & Dinheiro”.

“Cada vez mais o julgamento do valor da arte contemporânea se assemelha ao comportamento do mercado financeiro. Os rumores definem valores. Alguns trabalhos acabam sendo avaliados a partir do preço, o que não é, originalmente, o propósito da arte”, observa o economista Gustavo Franco, que assina o prefácio.

A relevância do dinheiro para a arte contemporânea pode ser resumida através da epígrafe escolhida pelos autores, uma citação do crítico de arte e historiador Paul Ardenne: “A principal preocupação de nossa época – a economia – é, para a arte de hoje, o que o nu, a paisagem ou o mito do novo foram, em seu tempo, para o neoclassicismo, o impressionismo e a vanguarda: tanto um estímulo à criatividade, quanto um tema ao gosto do momento”. Segundo a crítica de arte Katy Siegel e o professor de filosofia e jornalista especializado em economia Paul Mattick, a volta à moda “ideológica da ideia de um mercado global autodeterminado e sem compaixão pelos fracassados”, que teve especial relevância nas últimas duas décadas, garantiu à riqueza, ao consumo e ao prazer o status de valores publicamente aceitáveis. Entre os questionamentos invocados por “Arte & Dinheiro” está o caráter efêmero da produção de riquezas.

O uso de cédulas em trabalhos artísticos – como “Zero Cruzeiro”, de Cildo Meireles – e aspectos menos concretos do valor do dinheiro surgem no livro, montado como uma exposição, com “salas temáticas” (capítulos) e um debate entre especialistas em arte no epílogo. A visão bem-humorada sobre a relação dos artistas com o dinheiro começa na capa, que traz o “Zero Cruzeiro” e a fotografia de cinco artistas dançando nas areias de uma praia das Antilhas, durante a chamada 6ª Bienal Caribenha. Promovido em 1999, o evento denunciou o vazio de reuniões semelhantes, que deveriam fomentar encontro de ideias e novas produções.

“A reunião no Caribe obteve patrocínio de diversas empresas, convencidas de que artistas de renome criariam obras destinadas àquele espaço, mas eles fizeram abertamente o que acaba acontecendo em eventos semelhantes. Passaram o tempo todo se divertindo e descansando”, esclarece Franco, que sugeriu a inclusão de “Zero Cruzeiro” na capa da versão local, já que Cildo Meireles é o único brasileiro com dois trabalhos destacados no livro. A série de cópias de cédulas de cruzeiro é da década de 1970. Com efígies substituídas por figuras de índios e a assinatura do artista no lugar da chancela do presidente do Banco Central, as cédulas falsas tiveram uma grande tiragem, a fim de denunciar a alta inflação do período e também para diluir o valor da obra, “à semelhança do que o governo brasileiro estava fazendo com a moeda nacional”, observam os autores. A instalação “Missão/Missões” (como construir catedrais) foi criada com 600 moedas, 800 hóstias e 200 ossos de boi, para remeter à violência da evangelização católica na América Latina.

As “salas” mostram grande variedade de atitudes e práticas artísticas, sempre refletindo sobre dinheiro, consumo, política e poder. Na sala “Negócios” estão agrupadas fotografias de comemorações de executivos pela fusão de empresas e outras mostrando pessoas nas filas de seguro-desemprego. A sala “Alternativas” tem trabalhos do cubano Felix Gonzales-Torres (1957-1996), que criava instalações com papéis de bala e incentivava os apreciadores de suas serigrafias a levarem um pedaço da obra para casa – sem nada cobrar por isso. Interagir com o público era a intenção do americano Rob Pruitt, que enfileirou uma carreira de cocaína sobre um espelho de cinco metros de comprimento no chão de uma galeria nova-iorquina, em 1998. Em questão de minutos os convidados consumiram a droga. Já o artista alemão Boris Becker trata de objetos ordinários que podem esconder a riqueza, ao fotografar quadros, sapatos e folhas de mata-borrão utilizados por traficantes de drogas colombianos para contrabandear cocaína.

Para Franco, a exposição proposta no livro ajuda o leitor a conhecer a arte contemporânea. “Há sempre um enredo para dar sentido às obras atuais. Esse sentido vai além do estético ou sensorial, não segue a lógica dos trabalhos dos velhos mestres românticos, clássicos ou renascentistas. Raramente se consegue compreender a arte contemporânea sem uma leitura, uma referência. Hoje, a discussão de conceitos se impõe, com temas que passam pelo fenômeno do valor atribuído a assinaturas em papéis, por exemplo. Muitos artistas estão discutindo um pouco do fenômeno da assinatura de um papel, que vale muitas vezes mais do que um trabalho artístico”, observa o economista.

Valor Econômico - Economia

A riqueza material espelhada na perda dos sentimentos morais
Por Olga de Mello | Para o Valor, do Rio
07/12/2010
Economia global: Dos tempos mais antigos à derrocada do sistema hipotecário americano, a humanidade percorre um caminho de altos e baixos na qualidade de valores que orientam a vida econômica.
“A Prosperidade do Vício”

Daniel Cohen. Tradução de Wandyr Hagge. Zahar. 200 págs., R$ 34,00

Publicada em 1801, a novela “Juliette ou as Prosperidades do Vício”, de Donatien Alphonse François, o Marquês de Sade, conta a história de uma jovem que despreza os valores morais vigentes e passa a viver para satisfazer seus próprios desejos, sem qualquer consideração pelos que a cercam. Por “Juliette” e outro livro, “Justine e os Infortúnios da Virtude”, Sade foi encarcerado durante seus últimos 13 anos de vida em um hospício. A personagem Juliette, no entanto, não sofreu as mesmas sanções que o autor, pois, filha de um banqueiro, obteve a complacência da Justiça. A metáfora para a ganância de uma sociedade que adapta seus padrões éticos de acordo com os ganhos financeiros está em “A Prosperidade do Vício – Uma Viagem (Inquieta) pela Economia”, do economista francês Daniel Cohen.

“O título de Sade, para os economistas, remete a Malthus, para quem a prosperidade é alcançada através do controle populacional. Guerras, epidemias e outros males seriam, então, benéficos para a sociedade”, diz Cohen, que traça a história da economia ocidental, enquanto reflete sobre a relação do dinheiro com a satisfação.

“Depois que se ultrapassa um certo patamar, a riqueza não altera os níveis de frustração. A pressão social faz as pessoas sempre desejarem ter mais dinheiro que os vizinhos”, afirmou Cohen, em entrevista ao Valor.

O dinheiro que compra a conivência com a transgressão também modificou conceitos morais, mas nem sempre visando apenas o bem-estar de pequenos grupos, observa Cohen.

“No século XVIII, na Europa, houve uma modificação do status moral da ganância, que passou a não ser mais considerada um mal, um vício, já que traria prosperidade e paz”, diz o economista. Entretanto, a história mostra que paz e prosperidade nem sempre caminham juntas, lembra Cohen – tanto que justamente durante uma época de “prosperidade partilhada” eclodiu a Primeira Guerra Mundial. Se a Europa hoje se apresenta como o continente da paz e da prosperidade, diz Cohen, “é ao preço de uma formidável amnésia de seu passado recente”. Para o economista, o maior risco no século XXI é a repetição, em nível planetário, da história do Ocidente, que, em quatro séculos de proeminência europeia sobre outros povos, terminou na barbárie da Segunda Guerra Mundial.

Vice-presidente da École d’Économie de Paris e professor da École Normale Supérieure, Cohen alterna observações históricas e esclarecimentos de economia em linguagem acessível a leigos. Um exemplo está nas páginas em que ilustra o perigo do consumismo desenfreado, que considera uma droga com milhões de dependentes e poder suficiente para “destruir nossa civilização”. Cohen sugere aos leitores que imaginem as consequências para a Terra se um milhão de chineses que utilizam bicicletas decidissem trocá-las por automóveis.

“O planeta não consegue absorver tantos consumidores sem uma radical reorientação das normas em que se baseiam nossos padrões de crescimento. Hoje, na nova era do vício, para obter relevância social é preciso crescer financeiramente, ou seja, enriquecer ou perecer”. O economista responsabiliza a avidez por consumo das famílias americanas por seu “formidável endividamento” e pela derrocada do sistema hipotecário, que resultou na crise financeira global.

O pessimismo de Cohen quanto ao futuro de um planeta exaurido pela ocupação predatória dos povos é compensado por sua confiança nos propósitos conservacionistas das novas gerações, ainda que faça ressalvas a formas de uso da internet, onde “florescem tanto os laços entre amantes de música quanto redes de pedófilos”. Cohen ressalta que nada tem contra a rede, cuja criação considera tão importante quanto a invenção da máquina a vapor e da eletricidade, há 200 anos. “Os novos recursos sociais que a internet proporciona são, no mínimo, ambíguos. Os jovens estão ansiosos para usufruir de seus 15 minutos de fama, enquanto prostituição e dinheiro se apresentam como valores em qualquer canto da rede. É o mesmo velho mundo, com uma nova roupagem. O que anima é que esses mesmos jovens acreditam na necessidade da proteção ambiental. Isso faz parte da cultura deles, exatamente como acontece com a internet.”

Embora se mostre descrente, Cohen tem esperanças de que haja cooperação entre os povos para reduzir as agressões ao ambiente. “Em tempos de crise, alinhar-se é uma regra difícil, pois significa fazer concessões para o bem público. A cooperação é a principal questão problemática no mundo atual. Depois da quebra do Lehman Brothers, a reunião de Copenhague do G-20 mostrou que há limites para a cooperação entre os países. O relacionamento entre a China e os Estados Unidos está mais difícil do que há dois anos. Da mesma forma, há mais obstáculos no relacionamento entre a Alemanha e outros países europeus, como Grécia, Irlanda ou Portugal”, diz Cohen.

Uma das raras citações do Brasil no livro é como exemplo do papel de controlador populacional exercido pela televisão. Daniel Cohen afirma que o Brasil, por ser grande consumidor de telenovelas, chegou rapidamente a menores patamares de crescimento demográfico, pelo fato de novos conceitos e comportamentos serem assim disseminados.

“Acredito realmente nas projeções sobre o crescimento econômico do Brasil, mas tenho muitas reservas quanto à ideia de que a China entrará pacificamente nesse grupo. A Índia ainda tem muito a fazer para alcançar a segunda fase da democracia, ou seja, tornar-se uma democracia social, que se preocupa com os direitos de seu povo. O núcleo de meu livro é lembrar dos precedentes da Alemanha, que se tornou uma superpotência industrial na Europa do século XX. Isso levou à paz e à democracia, mas por quanto tempo foi assim?”.

Valor Econômico - Economia e Política

As várias vozes da crítica antiliberal

Política e Economia: Lênin, Hitler, Getúlio, nomes de um coro que também teve Fernando Pessoa e Keynes.

Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio
05/10/2010


Mais do que um intervalo entre duas guerras mundiais, o período entre 1918 e 1939 foi marcado por convulsões sociais e pela difusão de ideias acerca de uma nova ordem que se avizinhava depois da queda de impérios na Europa e no Oriente. Se o momento era de otimismo e muitos acreditavam que o autoritarismo perecera definitivamente, havia críticas ao pensamento liberal, observado com reticências não apenas por quem crescera sob a tutela de Estados controladores e questionava o mercado autorregulável. A crescente participação do Estado na economia a partir da crise financeira de 2008 levou os historiadores Flavio Limoncic e Francisco Carlos Palomanes Martinho a organizar “Os Intelectuais do Antiliberalismo – Projetos e Políticas para Outras Modernidades”, com 27 ensaios que analisam as ideias de alguns pensadores e adeptos de uma corrente político-econômica que atravessa décadas.
“A hegemonia liberal já viveu diversas crises, a última em 2008. Buscamos, então, refletir sobre as raízes da crítica ao liberalismo dentro do panorama mais amplo possível, mostrando desde o pensamento da esquerda até a direita, sem limitar o campo de atuação dos que eram contrários àquela corrente. Montamos um painel bastante diversificado de onde estavam as matrizes para a intervenção dos governos na Europa e na América Latina”, explica Limoncic.
A reação antiliberal foi diferente em muitos países. “No Brasil, é difundida a noção de que só existiram, praticamente, o nazismo de Hitler e o fascismo de Mussolini, quando essas ideias se desenvolveram de maneira diferente, de acordo com as características de cada lugar”, observa Martinho. Além de artigos sobre o franquismo espanhol e o salazarismo, fala-se também da inspiração antiliberal na América Latina, do México ao Uruguai.
“Nossa tendência é de considerar Getúlio Vargas fascista, assim como Salazar em Portugal e Franco, na Espanha”, diz Martinho. “Mas existem diferenças nítidas, originadas de experiências muito específicas. A guerra é o elemento determinante para a adoção de políticas centralizadoras, voltadas para a produção de armamentos e alimentos.”
Tais peculiaridades impediriam a difusão de uma metodologia autoritária, como demonstra o artigo da socióloga Helena Bomeny sobre as tentativas de se implantar uma organização de jovens brasileiros – nos moldes dos grupos criados na Alemanha e na Itália. Os esforços do ministro da Justiça de Getúlio Vargas, Francisco Campos, nessa direção esbarraram nas negativas de seus próprios colegas de gabinete.
“O que podemos perceber é que nem todo antiliberalismo é fascismo. A corrente é mais rica, mais complexa do que a generalização. Portugal e Espanha, que estavam ao lado da Alemanha e da Itália, compartilharam de um pensamento antiliberal que tinha apoio de um catolicismo autoritário, intervencionista. Aqui, foi diferente. A guerra era vivida a distância”, explica Martinho, que assina o capítulo sobre Marcello Caetano, último primeiro-ministro do regime ditatorial português.
Alguns dos intelectuais cujo pensamento é analisado no livro não são apenas referências no campo social ou econômico, mas os responsáveis pela implantação de uma nova ordem política, como Lênin, na União Soviética, e Marcello Caetano, em Portugal. Um nome que a muitos parecerá surpreendente é o de Fernando Pessoa. Se fingidor e criador de múltiplas personas enquanto poeta, o cidadão Pessoa expunha claramente sua admiração por Sidônio Pais, que chefiou uma breve ditadura portuguesa de 1917 a 1918.
O maior poeta português do século XX é apresentado como um “apóstolo do ‘nacionalismo místico’ e do autoritarismo” pelo historiador António Costa Pinto, da Universidade de Lisboa. O profundo interesse de Pessoa em teoria econômica e seu conhecimento prático sobre mecanismos de mercado, algo raro entre literatos, o levaram a considerar o capitalismo um dos pilares da civilização, observa Costa Pinto, . para quem os especialistas tendem a moderar as posições ideológicas do escritor, em vez de verificar a diversidade de suas posições e assinalar as motivações políticas de sua obra.
“Esta talvez seja a abordagem mais original do livro. Aquele escritor prestigiadíssimo pertencia informalmente a um grupo de tendências antiliberais que se reunia no restaurante A Brasileira do Chiador, em Lisboa. Sua postura antiliberal era conhecida, embora permaneça ainda pouco estudada”, diz Martinho.