27.6.08

Valor Econômico - Livros

Lucília está de volta. Com livro para adultos
Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio
02/05/2008


Divulgação
Lucília: integração dos japoneses ao Brasil e crise pós-1929 se entrecruzam no enredo
Uma das mais celebradas autoras de literatura infanto-juvenil nas décadas de 1970 e 80, Lucília Junqueira de Almeida Prado decidiu dar novo rumo à sua carreira. Aos 84 anos, está lançando seu primeiro livro destinado ao público adulto, "Sob as Asas da Aurora" (Conquista/Scortecci), a biografia de uma imigrante japonesa, mãe de sua melhor amiga de infância. "Eu queria homenagear os cem anos de chegada dos japoneses e também registrar as histórias que ouvi e as que vivi", conta a paulistana Lucília.


Em 1971, com seu segundo livro, "Uma Rua como Aquela", Lucília recebeu o Prêmio Jabuti de Literatura Infantil. "Cheguei a vender mais do que a Zélia Gattai, que era o grande sucesso em uma determinada época. No entanto, meus livros não entravam na lista de mais vendidos porque não se dava importância à literatura infantil como agora. Não existia uma lista específica de infanto-juvenis", diz Lucília, que cresceu lendo Monteiro Lobato e Viriato Correia. Dos autores infanto-juvenis contemporâneos, elogia João Carlos Marinho ("O Gênio do Crime") e J. K. Rowling, por ter conquistado uma geração de leitores com Harry Potter. Da série e do personagem, entretanto, não gosta. "Detesto esta temática de magia, de feitiçaria. Só li o primeiro livro."


Mãe de cinco filhos, ela própria conheceu a dificuldade de inocular o "vírus" da leitura em crianças. "Só os três mais velhos são leitores compulsivos." Percorreu boa parte do país em viagens promovidas pelas editoras para apresentar seus livros em escolas. "Mas não é isso que faz o leitor nem uma estante repleta de livros que jamais são abertos pelos pais. A criança precisa desmistificar o livro, abrir, pegar, manusear. E ver os pais lendo, ouvir histórias. Depois, tem de saber que os professores também lêem. Só então deve travar contato com os escritores", acredita.


Alcançar leitores de faixas etárias mais elevadas não foi difícil, conta Lucília, que havia 15 anos não lançava um livro. Sua estréia na literatura deu-se quando já havia passado dos 40 anos e os filhos já estavam educados. Em 1985, com 65 livros publicados, precisou interromper a vida literária para cuidar do marido, que adoecera.


Ao longo desse período, acumulou mais de 50 contos inéditos. Todos para adultos. "O livro infanto-juvenil precisa de suspense, aventura, pouquíssimas descrições, muito diálogo, muita ação e mistério. Se tiver ilha, então, é a alegria das crianças. Leitor adora ilha. Não se vê hoje o sucesso do seriado "Lost"? Já a ficção para adulto permite exercícios por outros estilos e não se prende a temas restritos", afirma Lucília, que escreve a lápis, em cadernos, reservando a página da esquerda para alterações. "É uma trabalheira, mas só sei fazer assim. Mando tudo para datilografar, nunca consegui me adaptar a computador nem a máquina de escrever. É bom porque faço muitas revisões antes do texto final."


Ainda neste ano deverá ser publicado o primeiro de três volumes de contos. Em "Sob as Asas da Aurora", Lucília trata não apenas da história de Missayo Arassuna. Também traça um panorama do Brasil da primeira metade do século XX. Missayo deixou os pais no Japão e veio tentar a vida no Brasil, trabalhando como agricultora e depois como empregada de uma cantora de cabaré no interior de São Paulo. Casou-se com um agricultor que arrendou terras da família de Lucília, em Ribeirão Preto.


"Com a crise de 1929, minha família transferiu-se da capital para Ribeirão, onde fiquei amiga da filha de Missayo, Yolanda. Sempre fui fascinada pelos relatos de sua mãe, uma mulher sensível, que sabia trabalhar em qualquer atividade. Pensei, então, em cruzar histórias: falar sobre a dificuldade de integração dos japoneses no Brasil e sobre a crise econômica que enfrentávamos", relata.


Missayo morreu há dez anos, sabendo do projeto do livro. "Foi uma pena que ela não tivesse visto." Já Yolanda continua amiga da escritora. Em Ribeirão Preto há mais de 50 anos, Lucília lamenta não ter mais tanta disposição para ler. "Eu costumava devorar um livro por semana. Era apaixonada por Graham Greene, Somerset Maugham, Érico Veríssimo e Guimarães Rosa. Hoje, além dos filhos, que sempre me visitam, tenho 11 netos. É muita gente para dar atenção."


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