27.6.07
Valor Econômico - Negócios
Empresas que não incorporarem as tendências de interação surgidas como advento da internet correm o risco de morrer, alerta Don Tapscott, autor do best-seller "Wikinomics".
Por Olga de Mello para o Valor, do Rio
Na década de 70, Marshal McLuhan e Barrington Nevitt falavam que a tecnologia transformaria o consumidor em produtor. Dez anos mais tarde, o futurólogo Alvin Toffler cunhava um novo termo, prosumer, juntando as palavras inglesas producer (produtor) e consumidor (consumer), que acabaria por designar um personagem com lugar de destaque no mundo contemporâneo. Para Don Tapscott e Anthony D. Williams, autores de “Wikinomics – Como a interação global está mudando tudo” (Nova Fronteira), os prosumers são os protagonistas do novo momento da Revolução da Informação, alavancando a mudança das estruturas econômicas ao indicarem - ou até mesmo - oferecerem as sugestões para adequar produtos a seus gostos.
No universo de colaborações que a Internet suscitou, Tapscott e Williams vaticinam o fracasso das empresas que não incorporarem as tendências que se apresentam neste mundo em que todos os que estão ligados pela Internet podem apresentar suas criações livremente a um público de bilhões de usuários, enquanto apontam as bem-sucedidas experiências de interação entre concorrentes, como a IBM e a Linux.
Um dos mais conceituados especialistas em tecnologia, autor de onze livros sobre estratégia e inovação tecnológica, Don Tapscott estará na próxima semana em São Paulo, quando fará palestras sobre o fenômeno Wiki na economia na 5a edição do IT Conference. “Quem estiver conectado à Internet poderá participar das atividades econômicas de forma nunca conhecida anteriormente. A Internet hoje é um espaço mais de comunidades do que de conteúdo”, afirma Tapscott, que aposta no crescimento das empresas que se relacionarem colaborativamente inclusive com a concorrência, obtendo benefícios tecnológicos e lucros.
Tapscott e William também acreditam no aumento das colaborações de indivíduos para empresas ou entidades diversas, tanto de forma voluntária ou envolvendo compensações financeiras, o que levará à criação de novos produtos sem obedecer a uma estrutura rígida de produção.
Fundador da empresa de consultoria e inovação New Paradigm, o canadense Tapscott cita a parceria com Williams, vice-presidente da New Paradigm, é citada por Tapscott como exemplo de colaboração da sociedade virtual: “A maior parte do livro foi escrita em continentes distintos. Anthony ficava em Londres e mantínhamos toda a comunicação pela Internet”. Lançado no fim de 2006, “Wikinomics” analisa diversos casos de colaboração entre empresas e o fortalecimento das comunidades na Internet, onde a cada segundo um blog é criado, juntando-se a um universo onde já existem mais de 50 milhões de blogs, que recebem 1,5 milhão de novas inserções diárias. Se metade do tráfego da Web se destina ao compartilhamento de arquivos, as empresas que restringirem o acesso a seus produtos ou a informações acabarão falidas, dizem Tapscott e Williams.
A primeira grande referência do universo colaborativo ainda é a Wikipedia, a enciclopédia montada com informações de especialistas nos mais variados assuntos, sem qualquer exigência ou controle de seus criadores (embora haja o cuidado de utilizar imagens que não exijam pagamento de copyright). Don Tapscott salienta, no entanto, que o fenômeno wiki (colaborativo) há muito deixou de ser uma particularidade do universo virtual. Companhias como a Boeing atualmente planejam seus lançamentos como um projeto em conjunto com seus fornecedores.
Tapscott lembra que em 2005, a Boeing conseguiu ultrapassar a Airbus em encomendas de novos aviões quando reduziu as especificações de dispositivos eletrônicos – que ocupavam 2.500 páginas na montagem do modelo 777. O documento com as especificações do modelo 784 tinha apenas 20 páginas.
“Isso não é terceirização, mas estar lado a lado de seus pares, acatar a expertise do outro”, afirma Tapscott, que teme pelo futuro da indústria fonográfica: “Este setor se comporta como as indústrias do passado e precisa adaptar-se aos novos tempos, oferecendo novidades ao mercado que não estão na simples venda de CDs. A indústria precisa perceber que a Internet transformou-se na base de toda a comunicação, incluindo aí a produção musical e programação de televisão. Tudo precisa passar pela Internet”, acredita.
Ele conta que o livro levou ao projeto Wikinomics, um site ( www.wikinomics.com) que recebe textos a serem compilados em um novo volume, com lançamento provável em setembro. “Ficamos surpresos com a boa recepção ao livro. No fim deste ano terei completado 120 palestras sobre os princípios do Wikinomics. O livro está sendo traduzido em 19 idiomas”, contou Tapscott, que já esteve outras vezes no Brasil.
O modelo de negócios com parcerias, sem estruturas hierárquicas não excluiria as lideranças, diz Tapscott: “A liderança está se transformando para um pensamento baseado na inteligência coletiva e na liderança coletiva. Ainda existe lugar para líderes, porém as lideranças serão baseadas no poder através das pessoas e não sobre as outras pessoas”. As colaborações não remuneradas, iniciadas nos primeiros tempos da Internet, que facilitou a troca de informações científicas, continuará, porém um novo gênero de associação começa a surgir.
“Diversos grupos estão incentivando a colaboração, premiando quem apresentar novas soluções nos mais diferentes campos. A rede InnoCentive oferece prêmios a 90 mil cientistas de 175 países inscritos em sua comunidade, em busca de soluções em pesquisa e desenvolvimento para diferentes empresas de produtos farmacêuticos, como a Procter & Gamble, Novartis e o laboratório Eli Lilly, que procuram idéias, invenções e mentes com qualificação para liberar valor em seus mercados consumidores”, informa.
A Internet continuará a receber colaborações sem qualquer conotação comercial, acredita Tapscott. Os atentados terroristas em Londres, em maio de 2005, foram relatados por 2.500 colaboradores da Wikipedia. Sites de jornais no mundo inteiro utilizam material enviado por leitores, entre fotografias e filmagens, porém são as emissoras independentes, veiculadas através da Internet, que vêm atraindo cada vez mais amadores que produzem novos tipos de noticiário.
O consumidor passivo é uma figura do passado. Hoje, ele produz o que quer ver, afirma Tapscott. “Quem se cansou do formato tradicional de apresentação de notícias pode mostrar seu próprio material em redes como a Current TV, que apresenta excelente conteúdo produzido por não-profissionais.
É por causa da Internet também que qualquer pessoa de um país emergente, na Índia, China ou no Brasil, pode entrar em pé de igualdade para a economia global. Dez anos atrás, a província de Schenzen, na China, era uma comunidade rural. Hoje, há 180 mil pessoas trabalhando no campus empresarial da Foxcomm, criando bens de consumo eletrônico para adolescentes de todo o planeta”.
Para Tapscott, esses prosumers são recompensados apenas por contribuírem para a produção de um produto melhor. “Valores são variáveis, dependem do contexto. Quando se cria um avatar no Second Life, a recompensa está na diversão”.
31.5.07
Valor Econômico - Eu & Livros
Como escolher títulos e influenciar mais leitores
Por Olga de Mello, para o Valor31/05/2007
Por Olga de Mello, para o Valor
Um dia elas privilegiaram a competitividade, quebraram paradigmas, refletiram a respeito da globalização, almejaram a qualidade total, enquanto planejavam o aumento da empregabilidade utilizando a reengenharia. Hoje, a ênfase no trabalho de equipe, as preocupações sociais, a transparência de informações e os cuidados com o meio ambiente - as palavras de ordem atuais no mundo corporativo - conquistaram as capas dos livros de negócios.
Gestão de pessoas, empreendedorismo, desenvolvimento sustentável, governança corporativa, ética e responsabilidade social são algumas das expressões que deverão dominar os títulos do setor por um longo período, acreditam as editoras brasileiras, que seguem uma tendência mundial.
Em busca desse público ávido por métodos menos agressivos de conquistar o sucesso pessoal sem descuidar do benefício à coletividade, as editoras apostam em títulos que apontem as novas maneiras de obter resultados semelhantes aos preconizados pelos títulos antigos.
Um site de venda de livros pela internet aponta a supremacia de títulos sobre liderança (cerca de 500), seguidos por outros que tratam de ética profissional (332), gestão (246) e empreendedorismo (200). Há oferta de pelo menos 196 livros a respeito de desenvolvimento sustentável e de 339 sobre responsabilidade social. Qualidade total e empregabilidade somam, no mesmo site, 175 títulos.
As mudanças no setor são percebidas aos poucos, já que a vida útil de um livro de negócios, finanças pessoais e light business é longa. "O Monge e o Executivo" (Sextante, 144 págs., R$ 19,90), de James C. Hunter, lançado em 2004, vendeu 1,4 milhão de exemplares no Brasil, mas levou alguns meses até cair no gosto do público.
"O livro de ficção estoura no lançamento. O light business cresce no boca a boca. Mas o título sempre exige cautela. A tradução literal do título do 'Monge' seria 'O Servidor', termo, no Brasil, associado ao funcionalismo público. Decidimos, então, alterar para algo mais próximo ao conteúdo, com um apelo diferenciado, já que unia o mundo administrativo à busca espiritual, o que nos parecia extremamente provocador", conta Tomás Pereira, diretor-editorial da Sextante, que não buscou criar uma linha de títulos que pegasse carona no sucesso do "Monge".
"Livros de negócios e de light business acabam por refletir o que se discute no universo profissional. Não adianta perseguir um gênero, mas acompanhar as transformações na forma de conduzir esses negócios. Caiu o conceito da agilidade a qualquer preço. Atualmente, o líder na corporação é quem consegue administrar o próprio tempo, trabalhando em equipe sem se esquecer da vida pessoal e de empregar algum esforço pela sociedade. Não existe uma fórmula que produza essa pessoa, então procuramos títulos que auxiliem cada um a encontrar a tranqüilidade, a desenvolver a compaixão, a dedicar-se aos outros dentro de uma realidade de competição acirrada", completa Tomás Pereira.
Para a diretora-editorial de livros universitários e de negócios da Editora Saraiva, Flávia Brazin, alguns temas apenas ganham novas denominações. Uma delas é gestão, utilizada genericamente em Portugal com o sentido de administração. "Gestão de pessoas substituiu o termo recursos humanos. Podem surgir novas roupagens, mas trabalhar em empresas é gerir e lidar com pessoas", comenta. "Embora a Saraiva tenha livros de recursos humanos clássicos que ainda empregam esse nome - 'Recursos Humanos: Princípios e Tendências'(420 págs., R$ 88), de Francisco Lacombe, com novas tiragens todos os anos -, fugimos de títulos muito parecidos quando optamos por algo diferente para uma das nossas apostas de 2007: 'Gestão do Fator Humano' (400 págs, R$ 79), organizado por Darcy Hanashiro, Laura Zaccarelli e Maria Luisa Teixeira."
A adequação de um título às características locais é determinante para o sucesso de um livro. Autores brasileiros geralmente ouvem as sugestões e/ou determinações dos editores sobre o nome de seus livros. Editores geralmente têm liberdade para alterar títulos que vêm de fora. "Quem resolve mesmo o que será tendência, o que veio para ficar, é o leitor. Por isso, um bom título tem de causar o mesmo impacto que manchetes de jornais e revistas, atraindo a atenção do leitor no meio de tantos estímulos concorrentes. Transformamos 'O Câncer nas Organizações', um título muito pesado, em 'Por Que as Organizações Adoecem?: e Como Você Pode Curá-las'(Ícaro Guimarães, 160 págs., R$ 29)", relata Flávia Brazin.
Paul Christoph, diretor-editorial da Campus/Elsevier, detentora de um dos mais volumosos catálogos na área de negócios, finanças e investimentos, concorda. Rompendo com a tradição de títulos informativos e discretos, em junho a Campus lançará "Chega de Babaquice!", em que Robert Sutton critica os excessos autoritários de chefes em geral e indica empresas onde a agressividade é condenada.
"Não existia opção que melhor traduzisse a idéia da obra, que Sutton chamou de 'The no Asshole Rule' (A Regra de não Aceitar Babacas). Decidimos, então, manter a versão em inglês", diz o diretor-editorial da Campus/Elsevier. A editora tem investido em livros sobre gestão empresarial e compromissos com o meio ambiente ("Mercado de Carbono e Protocolo de Quioto", de Gabriel Sister, 200 págs., R$ 39,90), além de práticas de inclusão social ("A Empresa Sustentável", de Andrew Savitz e Karl Weber, 304 págs., R$ 69) e administração do serviço público ("Gestão Pública Eficiente", de Florencia Ferrer, 208 págs., R$ 59,90).
Novidades que mencionam países asiáticos começam a aparecer nas prateleiras das livrarias. "Ainda não é uma tendência no Brasil, mas estamos atentos, pois nos Estados Unidos, a China e a Ásia figuram em muitos títulos", informa Paul Christoph.
Enquanto os métodos asiáticos de administração não conquistam o leitor brasileiro, a aproximação com a sabedoria chinesa já tem mais de 20 anos para o público de livros de negócios. "Estou relançando 'Marketing de Guerra' (Al Riese e Jack Trout, 224 págs., R$ 72), que chegou ao Brasil em 1980, citando os estrategistas Von Clausewitz e Sun Tzu. Clausewitz não caiu no gosto do público, mas Sun Tzu abriu um filão", lembra Milton Mira de Assumpção Filho, da M. Books, que vai lançar uma nova coleção de manuais de administração baseada na "Arte da Guerra", o manual de estratégia escrito há mais de dois mil anos.
Dois séculos depois, o estilo do chinês Sun Tzu de expor táticas militares agradou tanto aos leitores de livros sobre relacionamentos pessoais quanto aos que encaravam as disputas corporativas como batalhas. As livrarias brasileiras apresentam pelo menos 238 livros que têm "A Arte da Guerra" no título. Na mesma linha, na introdução de "Estratégia Samurai" (JBC Editora, 112 págs., R$ 32,90), o autor Boyé Lafayette explica que o tratado deixado pelo espadachim Miyamoto Musachi, em 1645, pode ser aplicado em esportes, negócios e na guerra.
Já o americano Stanley Bing considera os herméticos conselhos de Sun Tzu uma balela. No cáustico "Sun Tzu Era um Maricas - Conquiste Seus Inimigos, Favoreça Seus Amigos e Pratique a Verdadeira Arte da Guerra" (Rocco, 264 págs. R$ 33), ele afirma que, para vencer nos negócios, é mais útil conhecer o livro de Mao Tsé-Tung do que o Tao.
18.5.07
Valor Econômico - Eu & Livros
Bolsa ultrapassa os 50 mil pontos e eleva a demanda por obras sobre investimentos em ações.
Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio
Tão otimistas quanto os investidores que acompanham as sucessivas altas da Bovespa, as editoras brasileiras comemoram o aumento de vendas de livros de finanças pessoais, que destrincham jargões e comportamentos das bolsas de valores sem oferecer receitas de sucesso nos negócios. “O segmento cresceu. Os livros de finanças pessoais correspondiam a 18% das vendas no ano passado. Ainda não fechamos os números, mas sabemos que os índices foram maiores nos primeiros quatro meses de 2007”, diz o diretor editorial da Campus, Paul Christoph.
Diretora editorial de Livros Universitários e de Negócios da Saraiva, Flávia Bravin conta que as vendas dee obras do gênero da editora também subiram mais de 100% nos primeiros três meses do ano em relação ao trimestre anterior. “Entre janeiro e março, época de movimento fraco por causa das férias, vendemos mais que o dobro”.
O elo entre os títulos de investimentos pessoais de diversas editoras é a educação financeira do brasileiro. Os livros não apenas derrubam as fronteiras de um universo desconhecido como indicam a necessidade de montar planilhas de custos pessoais, identificar gastos desnecessários e guardar recursos para investimentos.
“Procuramos lançar livros que partam do zero e acompanhem a evolução do leitor na área, ensinando o básico: a gastar menos do que se ganha para ter um valor a ser investido, a diferenciar taxas de juros e, depois, chegar ao mercado de ações”, diz a diretora da Saraiva, que tem diversos títulos voltados para leigos. Por muito tempo, professores de Finanças dedicaram-se a estudar e a fazer o que há de melhor para o dinheiro das empresas, das pessoas jurídicas. Agora o foco é com o das pessoas físicas”.
Alguns dos livros, como a coleção “Você tem mais...”, se voltam diretamente ao leitor, enquanto outros seguem o estilo consagrado em best sellers de auto-ajuda, passando conceitos por meio de uma trama com personagens em busca de esclarecimentos.
“Criamos um enredo que tornasse a leitura mais agradável. As pessoas têm resistência ao tema, que associam a algo chato ou complicado, têm trauma com Bolsa de Valores, que consideram um cassino ou uma loteria”, afirma Luiz Gustavo Medina, um dos autores de “Investindo em Ações” e “Investindo sem Erros”, que estão na quinta edição.
A intenção de boa parte dos autores é confessadamente didática, seguindo indicações das próprias editoras, que perceberam o interesse da classe média brasileira em travar contato com o mercado de capitais, algo impensável antes da estabilização da moeda. Ao lado de manuais técnicos e de obras destinadas a quem já tem alguma familiaridade com investimentos estão títulos que aconselham diretamente o leitor a organizar sua vida financeira antes de pensar em investir em ações. Em geral, os livros têm o seguinte formato:
Não apresentam exemplos de investimentos bem sucedidos;
Recomendam que o leitor organize sua vida financeira, montando planilhas de gastos, evitando compras a crédito e cortando despesas;
têm estilo leve e divertido, por vezes recorrendo a personagens para conduzir os esclarecimentos sobre mercado financeiro;
dão conselhos diretos e fazem campanhas politicamente corretas, informando que entre os benefícios obtidos por quem deixa de fumar está a economia média de R$ 700 por ano ou que vale a pena aplicar ações em empresas socialmente responsáveis;
trazem glossários sobre o jargão financeiro;
e mostram as desvantagens em compras financiadas, no uso do cartão de crédito e de cheques especiais quando as taxas de juros são elevadas.
Medina afirma que seus livros querem afastar os temores dos neófitos e mostrar que o mercado de capitais “é um mecanismo vital para o crescimento do país e investir em ações é a possibilidade de tornar-se sócio minoritário de uma grande empresa”.
Maioria entre os compradores de livros, as mulheres merecem tratamento diferenciado nos de finanças pessoais, que abordam aspectos emocionais femininos na relação com dinheiro. “Meninas normais vão ao shopping, meninas iradas vão à Bolsa” (Saraiva), das jornalistas Mara Luquet – colunista do Valor - e Andréa Assef, lançado no ano passado, já vendeu mais de 10 mil exemplares. Texto de um talk-show, o livro se destina a mulheres de 20 a 50 anos, combinando advertências quanto às armadilhas do consumismo e a necessidade de dominar linguagem e operações com dinheiro.
O mesmo propósito é o da economista Eliana Bussinger, que em “As Leis do Dinheiro para Mulheres” (Campus), ressalta a necessidade de compreender o mercado, decidindo em que aplicar sem depender das recomendações do gerente do banco. “Falta às mulheres a segurança que só o conhecimento do mercado traz. Elas precisam se desapegar emocionalmente do investimento”, afirma Eliana. “Já ouvi justificativas para manter ações de uma companhia porque o presidente da empresa é muito gato”.
O sucesso dos livros de finanças pessoais não deixa órfãos os leitores mais afeitos aos segredos do mercado financeiro. “Aprenda a Operar no Mercado de Ações” (Campus), de Alexander Elder, um guia para investidores, vende cerca de 10 mil exemplares ao mês desde o aumento de movimento nas bolsas. Um livro tradicional sobre o assunto como “Comprar ou vender? Como investir na bolsa utilizando análise gráfica” (Saraiva), de Eduardo Matsura, teve, somente este ano, vendas 55% superiores ao mesmo período de 2006, afirma Flávia Brazin.
Os relatos pessoais sobre carreiras bem sucedidas ainda têm destaque na literatura de negócios. “Investimentos: Os Segredos de George Soros & Warren Buffett” (Campus), de Mark Tier, foi lançado pela Campus há dois anos. Está na quinta edição. “Esses livros têm uma vida útil longa, podem permanecer anos em listas dos mais vendidos”, diz Christophe.
Em “O Mercado de Ações ao Seu Alcance” (Landscape), o investidor Joel Greenblatt fala sobre investimentos através de personagens que demonstram empreendedorismo desde a infância, apresentando uma fórmula para identificar oportunidades de bons negócios.
Foi exatamente para fugir de fórmulas de enriquecimento e relatos pessoais que o economista Juliano Lima Pinheiro lançou, em 2001, “Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas” (Editora Atlas). Em sua quarta edição, o livro passou por atualizações e recebeu o selo da Bovespa: “Esta é uma área sem literatura própria, com meia dúzia de volumes técnicos e muitas histórias de experiências próprias sem embasamento acadêmico. A princípio, planejei um manual para estudantes da área, mas hoje ele atinge um público maior, aquele interessado que só conhece a Bolsa através da mídia, mas que gostaria de fazer aplicações. A leitura permitirá a esse leigo definir o que pretende ser, um especulador ou um investidor”, acredita Juliano.
6.5.07
Do Globo on Line - blog Repórter de Crime
Enquanto haverá hoje manifestação na praia pela legalização da maconha, há outros que se mobilizam na luta contra a violência urbana no Rio. A reportagem especial deste domingo é da jornalista Olga de Moura e Mello, que fez a meu pedido a matéria abaixo porque alguém tem que continuar trabalhando. E, para alegria dos que estão descascando o Mino Penna Firme, eu mesmo fiz questão de postar, de um cybercafé no Aeroporto Internacional, enquanto esperava o vôo para minha ilha no Pacífico.
Olga é jornalista, carioca por nascimento, convicção e insistência. Longe da cobertura diária das redações de jornal, mantém a militância pela cidade e é autora do blog Arenas Cariocas ( www.arenascariocas.blogspot.com).
Aqui vai a íntegra:
"A manicure carioca Nelly Bezerra do Nascimento não gosta de multidões. Sente-se angustiada ao perceber qualquer ajuntamento de pessoas. Nelly tem sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, desencadeados a partir da noite de sábado de oito de fevereiro de 1992, quando conversava com amigos em um bar na Rocinha, onde vive desde que nasceu, há 35 anos. Sem qualquer motivo aparente, homens passaram correndo trocando tiros. Um deles atingiu Nelly na perna esquerda, onde permanece até hoje. “Os médicos preferiram não operar, já que a bala não atingiu o osso nem afetou a musculatura. Doeu muito na hora, incomodou por algum tempo. Depois, ficou só essa sensação ruim”, conta Nelly, uma das vítimas diretas da violência do Rio de Janeiro, cidade onde quase todos os moradores sofreram ou conhecem alguém que passou por alguma experiência traumática.
A literatura sobre desordem e estresse pós-traumático é extensa nos Estados Unidos, que tem diversos estudos com veteranos de guerra mulheres vítimas de estupro ou violência doméstica, na segunda metade do século XX. No Brasil, uma das mais recentes pesquisas sobre o assunto está no livro “As Vítimas Ocultas da Violência na Cidade do Rio de Janeiro” (Civilização Brasileira), de Gláucio Soares, Dayse Miranda e Doriam Borges, que entrevistaram 690 pessoas geralmente esquecidas nas estatísticas de violência. Segundo os autores, as mortes violentas – assassinatos, suicídios ou acidentes de automóvel - de 103 mil moradores da cidade no período compreendido entre 1979 e 2001 deixaram profundas marcas psicológicas, econômicas e sociais em até 600 mil cariocas.
As vítimas ocultas
“Não há qualquer tipo de assistência para os que perderam cônjuges, filhos, pais, amigos. Essas pessoas vivem um longo período de desânimo, apáticos, com a sensação de que não têm futuro, deprimidas e sofrendo distúrbios de sono. Não existe apoio do Estado, que, ao contrário, não trata com respeito quem faz o reconhecimento de um corpo ou passa por um exame de corpo de delito. Muitas vezes, ao chegarem a um necrotério, essas pessoas ainda têm que lidar com extorsão para conseguir a liberação do corpo. Como essa situação só vem se agravando, o setor público deveria criar mecanismos de ajuda às vítimas ocultas da violência”, sugere Gláucio Soares, coordenador da pesquisa.

Os pais de João Hélio, Edna e os pais de Gabriela: união contra a violência no Rio, apesar de eventuais divergências porque ninguém é perfeito e nem deve querer unanimidade absoluta
Para enfrentar a perda da filha Gabriela Prado Ribeiro, que morreu aos 14 anos, atingida por uma bala perdida em tiroteio dentro de uma estação do metrô carioca, em 2003, os pais da menina criaram o movimento Gabriela Sou da Paz (www.gabrielasoudapaz.org). “Conseguimos que Gabriela não fosse apenas mais um nome na estatística. Vivemos em estado de guerra, a violência mata 105 inocentes por dia no Brasil”, diz Cleyde, mãe da adolescente, que tenta comparecer a todas as manifestações em memória de pessoas assassinadas. “Tenho obrigação de apoiar os amigos da dor, sei o que é ter um plano de vida interrompido. Não era isso que eu queria da vida, mas em algum momento, a morte de Gabriela fará diferença nesse processo”, acredita Cleyde.
Morte de João arrasta manifestantes
Em fevereiro, a morte de João Hélio Vieites, de 5 anos, arrastado por sete quilômetros, preso ao cinto de segurança do carro, fez eclodir uma onda de protestos públicos contra a violência. O primeiro, depois da missa de sétimo dia por João Hélio, foi a caminhada de 600 pessoas pelo Centro do Rio, pedindo a redução da maioridade penal. Entre os atos que se seguiram, manifestações com maior apelo visual vêm sendo montadas por dois grupos. Um é organizado pelo músico Tico Santa Cruz, da banda Detonautas, engajado na causa de combate à violência desde a morte do guitarrista do grupo, Rodrigo Netto, durante um assalto. O outro grupo é o Rio de Paz, capitaneado pelo pastor presbiteriano Antônio Carlos da Costa.
O Palácio Tiradentes, onde funciona a Assembléia Legislativa fluminense, já teve suas escadarias manchadas de vermelho no ato que recebeu o nome de “Contagem de Corpos”, promovido por Tico Santa Cruz, que também coordenou outra manifestação na qual os participantes se cobriram de branco, representando os fantasmas da política e servidores públicos corruptos. O movimento Rio da Paz (www.riodepaz.org.br) já fincou 700 cruzes nas areias da Praia de Copacabana para simbolizar o número de mortos em todo o estado do Rio de Janeiro do início do ano até março. Semanas depois, mil pessoas se deitaram na Avenida Atlântica, sinalizando que a violência já havia feito mil vítimas no estado. Em 19 de abril, a entidade voltou a marcar presença em Copacabana instalando 1.300 rosas nas areias, para demonstrar que a violência fluminense já fizera 1.300 vítimas.
A contagem do Rio de Paz se baseia nos cálculos do site Rio Body Count (www.riobodycount.com.br), que desde 1º de fevereiro traz o número de mortos e feridos a bala no Estado, baseado em notícias de jornais. Enquanto as autoridades informam que os índices de violência estão aumentando, o escritor Marcos Rolim, autor de “A síndrome da Rainha Vermelha – Policiamento e Segurança Pública no Século XXI” (Zahar), afirma que os registros estão abaixo do número real de crimes. “Na Inglaterra, onde a população respeita a polícia, calcula-se que sejam praticados até seis vezes mais crimes do que constam nos boletins de ocorrência. Aqui, acredita-se que o número de crimes seja dez vezes maior do que o divulgado”.
Descrédito em instituições provoca desânimo
Para Rolim, o descrédito nas instituições poderia explicar a falta de entusiasmo que as manifestações despertam em boa parte dos cariocas. Uma enquete espontânea do Globo on Line mostrou que 69% de 3.354 internautas não vêem eficácia nesse tipo de protesto. O artista plástico Jonas Prochownik, morador de Copacabana, a princípio ficou chocado com as cruzes fincadas na areia da praia: “Plasticamente, funcionou muito bem, mas senti que faltava ali uma proposta concreta”. O antropólogo Luis Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança do Rio de Janeiro, defende a legitimidade das manifestações que expressam “apenas a indignação, o luto, a dor”, mas concorda com Jonas: “Só haverá adesão em massa a um projeto objetivo de mudança da situação em curso. Não é que o povo esteja apático, inerte. Estamos, talvez, mais céticos depois de vinte anos de manifestações contra um conceito abstrato e muito vasto, que é a violência”.
O diretor executivo do Viva Rio (www.vivario.org.br), Rubem César Fernandes, que, ao lado do sociólogo Herbert de Souza, esteve à frente de grandes mobilizações populares pela segurança no Rio, admite que há momentos em que sente fraquejar seu entusiasmo na busca pela paz. Mas isso não dura muito: “Há noites em que eu desanimo, depois de abraçar mais um pai desesperado pela perda de um filho, mais um filho revoltado pela morte de sua mãe. No outro dia alguém me procura com uma nova proposta de discussão, um projeto diferente de conciliação. Aí, já volto a me entusiasmar, mesmo sabendo que a solução ainda está muito distante e que talvez eu nem veja um Brasil mais justo e mais pacífico”, acha Rubem César.
16.3.07
Valor Econômico - Fé e Religião
Personalidades culturais americanas falam do que vêem, ou não, quando olham para além de suas terrenas existências
Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio
Cada vez mais diluída no mundo das idéias contemporâneo, a figura de um criador do universo ainda é percebida e reverenciada por muitos intelectuais, mesmo quando criticam as instituições religiosas e o fanatismo de adeptos de todas as confissões de fé. Buscando revelar a idéia de divindade construída por cada um, o documentarista e jornalista Antonio Monda reuniu 18 entrevistas com personalidades do meio cultural norte-americano no livro “Deus e Eu – Conversas sobre fé e religião” (Casa da Palavra). A relação de entrevistados é encabeçada pelo Prêmio Nobel da Paz de 1986, Elie Wiesel, e inclui ainda três ganhadores do Nobel de Literatura – Saul Bellow, Derek Walcott e Toni Morrison -, os cineastas Spike Lee, David Lynch e Martin Scorcese, a atriz Jane Fonda, o arquiteto Daniel Libeskind, os escritores Paul Auster, Salman Rudshie, Michael Cunningham, Richard Ford, Paula Fox, Nathan Englander, Grace Paley e Jonathan Franzen, e o historiador Arthur Schlesinger Jr, que apresentam visões totalmente diferenciadas sobre as formas de vivenciar a fé e o quanto a religião tem de importância na formação pessoal e profissional de cada um.
Esta semana Antonio Monda faz sua primeira visita ao Brasil para promover o livro, com palestras e debates agendados no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Professor de cinema na Universidade de Nova York, admirador do Cinema Novo e da “figura quase mítica” de Glauber Rocha, quer aproveitar a viagem para conhecer artistas e cineastas brasileiros contemporâneos. Os variados matizes espirituais dos brasileiros, no entanto, são encarados com ceticismo pelo escritor, que se define como católico apostólico romano e não esconde sua admiração pela tolerância da sociedade norte-americana com as diferenças religiosas. “Os católicos são apenas 24% da população dos Estados Unidos. Fazer parte de uma minoria me ensinou muito em termos de respeito e compreensão quanto às crenças dos outros”. A imagem do católico não-praticante, que exprime culturalmente o sentimento de religiosidade de boa parte dos brasileiros, não é assimilada por este italiano que considera o marxismo a representação trágica do fracasso do século XX. “O marxismo, sim, é o ópio do povo. Quem não segue os ensinamentos da Igreja não é católico. Existem dois grandes problemas nas religiões atualmente – o fundamentalismo e a Nova Era, que permite a apropriação apenas dos conceitos religiosos que sejam adequados, confortáveis para cada indivíduo”, afirma Monda, 44 anos, há 12 vivendo nos Estados Unidos.
Religião e contemporaneidade são temas diletos para Antonio Monda, que, em 2004, coordenou, no Museu de Arte Moderna de Nova York (MOMA), a mostra de filmes “The Hidden God”(O Deus Oculto), na qual buscava analisar a religiosidade oculta em filmes dos mais diferentes autores. O assunto começara a interessá-lo em fins de 2002, quando fez uma série de entrevistas sobre religião para o jornal italiano La Reppublica: “Passei três anos recolhendo material para o livro e, embora muitos intelectuais evitem abordar esse tema, eles foram muito honestos em seus depoimentos. Alguns hesitaram antes de aceitar o convite, porém, depois, foram extremamente generosas e diretas. Constranger-se em falar sobre suas convicções religiosas é bobagem, tanto que muitos artistas, como Cormac McCarthy discutem abertamente a religião. Outros falam indiretamente, através de seus trabalhos”, diz Monda, que acredita ter conseguido traçar um panorama da diversidade cultural americana.
Para conversar com judeus, ateus, agnósticos, católicos e até um praticante de meditação transcendental – David Lynch -, Antonio Monda despiu-se de seus conceitos religiosos. Ele conta que desconhecia as convicções de alguns dos entrevistados e afirma ter aprendido muito sobre espiritualidade com todos os que conversou. “Fiquei sinceramente comovido com a força de Eli Wiesel, com sua fé tão dolorida. Também me emocionou o depoimento do escritor Nathan Erglander, que não tem certeza sobre a existência da vida após a morte, mas que acredita que seu avô esteja no Paraíso”. A identificação parece maior com o também católico – e de origem italiana - Martin Scorcese. Ex-coroinha, o cineasta, que já levou à tela as vidas do Dalai Lama e de Jesus Cristo, conta que desde a infância se sentia motivado pela iconografia e pelo aspecto dramatúrgico da missa e dos ofícios religiosos. Na entrevista, Scorcese analisa sua relação com a religião e como ela está em seus filmes.
Antonio Monda teve que se submeter às exigências de alguns entrevistados. Saul Bellow, avisou que se reservava o direito de não responder ao que não quisesse e pediu que não houvesse insistência em relação a alguns temas. Bellow não quis revelar como era Deus em sua imaginação, o que o escritor Michael Cunningham associa a uma mulher negra, parecida com a babá que cuidava dele em criança, e o poeta Derek Walcott pensa como um homem branco, sábio e de barbas. Já a atriz Jane Fonda enxerga em Cristo o primeiro feminista da História, por igualar os direitos das mulheres de sua época aos dos homens. Militante de causas políticas e sociais nas décadas de 60 e 70, a atriz critica, no entanto, as instituições religiosas, também condenadas por Spike Lee e Paul Auster, que lembra quantas vezes o nome de Deus foi usado para conquistar ou matar. A eles se junta Salman Rudshie, um ateu que lamenta o sangue derramado em nome de Deus.
Enquanto se põe ao lado de boa parte de seus entrevistados, críticos ferrenhos do fundamentalismo e das chamadas guerras santas, Antonio Monda diz temer a onda de ultraconservadorismo protestante nos Estados Unidos: “Não gosto do crescimento dessa direita conservadora, porém não os coloco, de maneira alguma, na mesma categoria que o fundamentalismo muçulmano. A posição das mulheres, por exemplo, é outra no panorama norte-americano. Com todas as contradições, os Estados Unidos são um país livre, provavelmente o mais livre no mundo”, afirma Monda que se diz horrorizado com o que vem acontecendo no Iraque, por ser pessoalmente contra guerras.
26.2.07
Valor Econômico - Entrevista Marian Keyes
Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio
Marian Keyes, a autora do best-seller “Melancia”, volta-se para as questões sociais nas narrativas mais recentes e quer ajudar o leitor a refletir sobre a realidade à sua volta.
Valor – Por que suas histórias mais recentes mencionam problemas sociais das grandes cidades, como os sem-teto?
Marian Keyes – Uma história romântica pode ajudar o leitor a refletir sobre sua própria realidade. Desde que comecei a ter sucesso literário, voltei-me para questões sociais que me incomodavam, auxiliando programas de combate à violência contra mulheres e os sem-teto. Depois, me veio a idéia de usar esses problemas dentro de meus livros e chamar a atenção para essa realidade. A princípio, queria motivar os leitores irlandeses, já que a Irlanda vive um momento de prosperidade econômica jamais experimentada antes e ao qual corresponde a alienação político-social de sua população. Mas meus livros foram traduzidos em mais de 30 idiomas diferentes e podem atingir leitores na Tailândia, na Rússia, no Brasil, onde a disparidade social também existe e precisa ser objeto de políticas sérias.
Valor - Já não há mais lugar para príncipes encantados nesse tipo de romance?
Marian Keyes – Tenho o cuidado de jamais apresentar o homem como solução para a vida das mulheres, porque aos homens de hoje foi reservado outro papel, o de companheiros, não o de provedores. Eles são a versão atualizada do príncipe encantado.
Valor – É um novo momento da literatura romântica, então, com mais humor, consciência social e um toque feminista?
Marian Keyes – Sou da primeira geração pós-feminismo, embora apenas nos últimos anos tenha reconhecido que as mulheres estão no último degrau dos oprimidos. Apesar da liberdade sexual, em meu país, por exemplo, a tradição católica inibe os investimentos em educação contraceptiva, o que levou ao aumento de gravidez entre as adolescentes. No mundo inteiro, as mulheres têm que enfrentar muita pressão, incluindo o descontentamento com seus próprios corpos, já que meninas de 16 anos são utilizadas para vender roupas para mulheres de 30 ou 40 anos. Meus livros mostram um pouco desses elementos geradores de estresse, sempre com bom humor, mesmo quando falo sobre dependência de drogas. Sem humor, como a humanidade conseguiria seguir em frente?
Valor – A senhora se incomoda em ser classificada como uma escritora de “chick lit”, a chamada literatura mulherzinha?
Marian Keyes – Eu me orgulho de meus livros.
16.2.07
Valor Econômico - Comportamento

Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio
"Estou de dieta desde que completei 19 anos: isso significa que, basicamente, passo fome há uma década (…) Ah, e fiz duas cirurgias dolorosas para chegar a esta aparência”.
A fala de Anna, a protagonista da comédia romântica “Notting Hill”, bem poderia ser de sua intérprete, a atriz Julia Roberts. Ou de qualquer outra estrela de Hollywood, onde é necessário aliar talento dramático a um padrão de forma física que por vezes parece melhor através das lentes cinematográficas do que no mundo real. Se os invejados corpos masculinos de hoje são semelhantes aos das estátuas gregas da Antiguidade, as formas femininas ideais vêm se reduzindo drasticamente nos últimos quarenta anos. A elegante Audrey Hepburn, que conjugava um rosto encantador com um corpo ossudo, bem no estilo das modelos do Terceiro Milênio, era encarada com ceticismo no planeta que privilegiava a exuberância de Marilyn Monroe. Audrey surgiu antes da modelo Twiggy que, na Londres da década de 60, apontava para um novo tipo de mulher, bem mais magra do que as jovens ocidentais até então. Em um mundo que consome muito mais gordura do que nos anos 60, todos os sacrifícios são válidos por um corpo magro. Até o jejum doentio que leva à morte.
Curvando-se à ditadura da beleza, boa parte das mulheres brasileiras submete-se voluntariamente a sacrifícios físicos – através do jejum, de pesadas cargas de exercícios ou de cirurgias plásticas, em nome de um ideal estético dificilmente atingível. A despeito dos cada vez mais freqüentes casos de morte por anorexia ou por falha médica, a busca pela beleza e a luta contra os efeitos do envelhecimento continuam. A uma das vítimas dessa batalha – Anita Mantuano - foi dedicado o livro “O intolerável peso da feiúra” (Editora PUC-Rio), da psicóloga Joana de Vilhena Novaes, que há dez anos estuda o tema e conclui: se a obesidade é o principal fator de exclusão social atualmente, a repulsa que os obesos causam está baseada no papel de trangressores que eles representam perante a ditadura da beleza.
Doutora em Psicologia, Joana coordena o Nucleo de Doenças da Beleza, ligado à clínica social da PUC-Rio, que oferece atendimento psicológico e nutricional a mulheres com distúrbios de alimentação e peso. Em “O intolerável peso da feiúra”, ela relata as entrevistas de algumas dessas mulheres, colhidas em academias de ginástica, em clínicas de estética e nos hospitais públicos que fazem cirurgia de redução de estômago. “A necessidade de afirmação através da magreza é comum a mulheres de todas as classes sociais e com qualquer nível de escolaridade. Anita Mantuano era bem-sucedida tanto no campo pessoal como no profissional. Morreu por complicações após uma cirurgia plástica, aos 46 anos”, diz Joana, cujas pesquisas iniciais tinham como base sua sua curiosidade a respeito das mulheres cariocas que freqüentavam academias de ginástica e a obsessão que têm em relação à beleza. “Muitas reclamam do desconforto que os exercícios causam, mas vêem na ginástica um sacrifício necessário para driblar os efeitos do tempo. Não hesitam em recorrer à cirurgias para permanecerem dentro desses padrões. Quem não se submete a isso, é considerado destituído de caráter até pelos médicos, que tratam da anorexia como doença, mas consideram a obesidade, em muitos casos, falta de força de vontade”.
Não é de hoje que pesquisadores se debruçam sobre o controle ao corpo feminino como forma de dominação social. O helenista britânico Simon Goldhill afirma em “Amor, Sexo e Tragédia – Como o Mundo antigo influencia nossas vidas” (Zahar) que a Grécia Antiga via uma mulher como “sensual, bela, saudável”, mas seu corpo estava subjugado à regulamentação dos homens, que, por mais que admirassem as curvas femininas, valorizavam a musculatura masculina, exposta em estátuas nuas. A Idade Contemporânea aparentemente modifica tais valores, já que desde a Segunda Guerra Mundial, conforme lembra Goldhill, cada vez mais o corpo feminino é mostrado “em um striptease contínuo perante um público voyeur”. As feministas americanas que se insurgiram contra a exposição de mulheres nuas na década de 60 preocuparam-se, trinta anos depois, em denunciar as mudanças que aquelas formas estavam sofrendo. Em “O Mito da Beleza” (Rocco), a americana Naomi Wolf responsabilizava a indústria da beleza, que movimenta milhões em cosméticos e cirurgias plásticas, por aprisionar as mulheres em parâmetros estéticos impossíveis de serem cumpridos. Ao mesmo tempo, advertia para o crescimento de casos de bulimia e anorexia entre as universitárias nos Estados Unidos, que, mesmo magras, diziam querer perder de três a 25 quilos.
A preocupação em apagar os traços que a natureza e a maternidade deixam no corpo levou o Brasil ao segundo posto entre os países campeões em cirurgias estéticas e a tornar-se um dos maiores consumidores de inibidores de apetite no mundo, lembra Joana Vilhena Novais: “Já se diz há muito tempo que a brasileira não envelhece; fica loura”, brinca a psicóloga que espera ver no País o surgimento de uma ação afirmativa direcionada aos gordos. “As doenças provocadas pela obesidade são graves, mas o alijamento social dos obesos é um sinal alarmante do repúdio à velhice. Essa paranóia em torno da beleza guarda semelhanças com o ideal estético nazista”, afirma Joana Vilhena Novais, que participou de debates durante a semana de moda carioca, o Fashion Rio, que, este ano discutiu os sacrifícios à saúde em prol da beleza.
A rejeição à obesidade não se limita ao corpo feminino. Em 1997, a indústria de cosméticos inglesa Body Shop lançou uma campanha baseada em Ruby, uma boneca que representaria a as mulheres reais. De quadris largos, coxas e braços grossos, Ruby aparecia em posters sobre a frase “Há três bilhões de mulheres no mundo que não parecem top models; apenas oito parecem”. A Mattel, fabricante da Barbie entrou com uma ação contra a Body Shop, pedindo a retirada dos posters das lojas norte-americanas, pois Ruby era um insulto à Barbie. Se uma boneca causou tanta repulsa, o que falar de mulheres de carne e osso que não se adequam aos padrões de beleza correntes? Não apenas são excluídas socialmente, mas preteridas profissionalmente. Segundo a economista Ruth Helena Dweck, da Universidade Federal Fluminense, refletindo uma tendência registrada nos Estados Unidos desde os anos 80, o mercado de trabalho repele quem está acima do peso. “É um novo fator para a discriminação, que antes se dava por sexo, cor de pele e idade. Boa aparência, atualmente, é ser magro”. Coordenadora de diversas pesquisas sobre a indústria da beleza, Ruth Dweck lembra que o único setor a ter um crescimento considerável durante a crise econômica de 1985 a 1995 foi o de serviços de embelezamento, incluindo aí cabeleireiros, manicures, clínicas de estética e academias de ginástica. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, das mais de 600 mil intervenções realizadas no ano de 2004, 59% foram estéticas e 41% reparadoras. A maior procura era por lipoaspiração, que chegava a 54% das cirurgias, seguidas por implantes de silicone.
70 milhões de brasileiros, quase 40% da população, estão acima do peso, mas apenas 1 milhão desses são obesos mórbidos. “A discriminação que eles sofrem é cruel. Deixam de ir à praia porque os amigos não gostam de ser vistos com alguém disforme, passam a viver isolados. O gordo agride a sociedade por não se sujeitar aos parâmetros que foram impostos como corretos. Para evitar esses choques, as pessoas cometem loucuras”, diz Joana Vilhena de Novais, lembrando que uma mulher que entrevistou, de 48 anos, disse, referindo-se à ingestão contínua de anfetaminas e medicamentos para queimar calorias: “Sei que vou morrer mais cedo, mas tudo bem. Até lá eu vivo magra”.