30.11.07

Valor Econômico - Cultura

Os animaizinhos estão em alta
Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio
16/11/2007

Khaled Hossein, autor de "O Caçador de Pipas", que virou um best seller, e de "A Cidade do Sol", recém-lançado no Brasil: o primeiro abriu as prateleiras brasileiras para livros sobre Oriente Médio, Índia e China


Em 1914, o poeta espanhol Juan Ramón Jiménez, que viria a ganhar o Nobel de Literatura quase 40 anos depois, lançou seu livro mais popular, "Platero e Eu", em que desfiava observações sobre a vida para um burrinho. Na década de 1960, outro Nobel de Literatura, o americano John Steinbeck, lançava "Viajando com Charley", o relato das viagens que fez pelo país com seu poodle. O naturalista inglês Gerald Durrell misturou memórias da infância na ilha grega de Corfu com suas experiências no cuidado e nos estudos de animais silvestres. "Minha Família e Outros Animais" traz passagens hilariantes a respeito da aversão de seu irmão mais velho, o escritor Gerald Durrell, pela infinidade de insetos que o menino Gerald levava para casa. Steinbeck, Durrell e Jiménez são os pioneiros de um filão que parece inesgotável - os livros que contam o relacionamento de pessoas com animais de estimação.


Os animais estão à solta no mercado editorial tanto em fábulas que ilustram o comportamento e a motivação da carreira, como "Voe como as Águias" (Best Seller, R$ 19,90), de Barry Siskind, quanto em relatos engraçados e comoventes, entre os quais se destaca "Marley e Eu" (Prestígio Editorial, R$ 29,90), 300 mil exemplares vendidos no Brasil desde o lançamento, um ano atrás. "Marley" já rendeu um filhote para o público infantil. O autor John Grogan adaptou para crianças uma das travessuras de seu labrador em "Marley, o Cãozinho Trapalhão", lançado há cerca de um mês. A Prestígio aposta também em "Orson, um Cachorro para Toda a Vida", de Jon Katz (R$ 29,90), e "Meu Chapa" (R$ 29,90), de Fábio Lamachia, o similar nacional das aventuras de cães e seus donos, além de "Nosso Querido Christopher", de Sy Montgomery (R$ 34,90), sobre um leitãozinho de estimação.


Paulo Roberto Pires, diretor-editorial do grupo Ediouro - ao qual pertence a Prestígio -, acha que, a partir de "Marley", os animais chegaram para ficar no mercado editorial. Um dos mais recentes lançamentos do grupo é "Cão como Nós", do poeta português Manuel Alegre, que conta a história de seu cachorro. "É a obra de um literato, escrita antes da febre iniciada por 'Marley'. Agora é filão aberto. Existe um título que vai a leilão com lance inicial de milhares de dólares. E o livro, sobre um gato, ainda nem foi concluído", diz.


Juntando fotografias de animais e frases estimulantes, o australiano Bradley Trevor Greive vendeu 1,5 milhão de exemplares - apenas no Brasil - de "Um Dia Daqueles" (Sextante, R$ 24,90), que iniciou o boom do livro-presente no país, em 2001. A Sextante lançou mais 12 livros de Greive, todos no mesmo formato, que também foi buscado por outras editoras. "Hoje, quase todas as editoras oferecem livros-presente. 'Um Dia' firmou a Sextante e um novo estilo de editora no mercado", afirma o diretor-editorial Marcos Pereira, que continua editando sucessos dos mais diversos gêneros, como o light business "O Monge e o Executivo" e "O Código Da Vinci", estes há anos na lista de mais vendidos.


O investimento nos títulos geralmente segue indicações do comportamento dos mercados externos, mas há surpresas. Lançado em 2004, "O Monge e o Executivo" (R$ 24,90) vendeu 1,5 milhão de exemplares no Brasil, desempenho melhor do que em outros países. "Ninguém prevê como o público se comportará, principalmente com livros de negócios, que têm aumento de vendas pela propaganda boca a boca", observa Pereira. "O Código Da Vinci" (R$ 19,90) teve 2,5 milhões de cópias vendidas no Brasil e a própria Sextante tratou de buscar outros veios no filão, ao publicar o roteiro do filme baseado no romance, um caderno para viajantes que quisessem conhecer os locais do seu enredo, além de "Segredos do Código", de Dan Burstein, e "Maria Madalena e o Santo Graal", de Margaret Starbird.


Uma pesquisa simples em sites de livrarias na internet aponta mais de 50 títulos relacionados ao "Código", a maioria prometendo revelar definitivamente toda a verdade sobre a trama de Brown, acusado até de estar a serviço dos que pretendem desacreditar a Igreja Católica. O veio aberto por ele parece não ter-se esgotado. Um dos mais recentes lançamentos da Sextante, "A Conspiração Franciscana" (R$ 39,90), de John Sacks, com temática sobre segredos da Igreja, já está na segunda edição.


"Ninguém sabe quando os filões se esgotam. Os livros de Dale Carnegie, que iniciou o conceito de aprimoramento pessoal e profissional, continuam sendo publicados há 80 anos", lembra Caroline Rothmuller, diretora-editorial da Campus/Elsevier, uma das principais editoras de livros de negócios do País. "A estabilidade da moeda gerou uma grande procura por títulos de finanças pessoais, uma tendência que vimos surgir a partir do lançamento do 'Pai Rico, Pai Pobre', de Robert T. Kyoishi", diz.


Há sete anos, os 16 livros da série "Pai Rico" estão no catálogo da Campus/Elsevier, que tem investido em títulos de educação financeira, como "As Leis do Dinheiro para Mulheres", da economista Eliane Bussinger, e na motivação social, com a coleção "Cartas a um Jovem", em que profissionais destacados falam sobre sua experiência para quem está entrando no mercado. "A inspiração veio do 'Cartas a um Jovem Poeta' de Rilke, mas entramos nos mais diversos campos, da moda à medicina", conta Caroline. A série já tem 14 volumes. Entre seus autores estão Mario Vargas Llosa e Fernando Henrique Cardoso.


Seguir a trilha de um filão aberto por um concorrente é prática comum no mercado editorial do mundo inteiro, embora o segundo veio proporcione o mesmo lucro que o original. "Quem lança a tendência sempre se dá melhor", afirma Marcelo Duarte, editor da Panda Books e autor da série "Guia dos Curiosos", inicialmente publicada pela Companhia das Letras. Há oito anos, ele fundou a Panda Books, especializada nesse tipo de publicação. Depois de 12 diferentes guias, entre eles um sobre curiosidades da língua portuguesa, a Panda emplacou outro sucesso editorial, com a biografia da garota de programas Bruna Surfistinha, que teve 240 mil cópias vendidas.


"Foi uma ousadia, um tema picante. Deu certo", comenta o editor, que também aposta nos livros-presente: "Geralmente, eles têm belas imagens, mensagens bonitas e uma excelente saída em datas como o Dia dos Namorados. 'Amo Você' já vendeu 150 mil exemplares", informa Duarte, que só lamenta não haver acreditado na biografia de uma jovem que tinha um cão-guia: "Sairia antes do 'Marley'. Perdi a oportunidade."


Descobrir um filão exige pesquisa e alguma observação. A diretora-editorial da Bertrand Brasil, Rosemary Alves, gosta de ver o que se lê nos metrôs europeus para escolher novos títulos. Foi no metrô de Londres que descobriu os romances da irlandesa Marian Keyes, uma das mais bem-sucedidas autoras de chick-lit, a "literatura mulherzinha". "Fechei negócio sem ter idéia de como as brasileiras iriam reagir àqueles dramas sobre britânicas problemáticas que superavam problemas com bom humor", conta. Os cinco livros de Marian publicados no Brasil venderam 300 mil exemplares. O gênero, dirigido a mulheres na faixa dos 30 anos, renovou-se e hoje também atinge adolescentes, com séries como "Gossip Girl", de Cecily Von Ziegesar, lançada pela Record.


O mercado infanto-juvenil passou a ser encarado com respeito depois do fenômeno "Harry Potter", cujo sétimo volume a Rocco acaba de mandar às livrarias brasileiras. Até o sexto, foram 325 milhões de exemplares vendidos no mundo, com tradução em 64 idiomas. Poucos autores ousaram criar pastiches do pequeno bruxo, temendo processos por direitos autorais que protegem a obra de J.K. Rowling. A autora, porém, não pôde impedir o lançamento de títulos envolvendo magia e ocultismo, alguns de qualidade, como "O Círculo dos Magos" (Bertrand Brasil, R$ 39), uma coletânea de contos de autores consagrados, como Charles Dickens e Ray Bradbury, organizada por Peter Haining. A própria J.K. aproveitou o filão que descobriu, escrevendo "Quadribol através dos Tempos" e "Animais Fantásticos & onde Habitam" (Rocco, R$ 18 cada um), livrinhos que fariam parte do material didático de Hogwarts, onde Potter estuda.


Para a gerente-editorial da Nova Fronteira, Isabel Aleixo, a descoberta de um filão é acidental: "Em nosso caso, não há correria em torno de um assunto. Mais do que temas, procuramos narrativas bem construídas." Há mais de um ano nas listas de mais vendidos no país, "O Caçador de Pipas" (Nova Fronteira, R$ 39,90) abriu as prateleiras brasileiras para livros sobre Oriente Médio, Índia e China. Com 1,4 milhão de exemplares vendidos, "O Caçador" ajudou a catapultar as vendas das 200 mil cópias do segundo livro de Khaled Hossein, "A Cidade do Sol" (R$ 39,90), lançado há dois meses. "O leitor brasileiro acaba se interessando pela literatura do Oriente por causa do 'Caçador'", admite Isabel, que também comemora o sucesso de "A Distância entre Nós" (R$ 34,90), da indiana Thrity Umrigar, que teve 110 mil exemplares vendidos no Brasil.


Uma das apostas da editora é "Os Fios da Fortuna" (R$ 39,90), de Anita Amirrezvani, iraniana radicada nos Estados Unidos, dado comum a muitos desses autores, que falam da saudade da terra natal, de onde se afastaram em busca de melhores condições de vida.

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