4.12.07

Continente Multicultural - Entrevista com Elba Ramalho

CONVERSA
Elba Ramalho - Paraíba e Pernambuco numa só pessoa



A cantora se cercou de pernambucanos em seu novo CD. Além dos amigos Lenine, Alceu Valença e Lula Queiroga, tem a Trombonada, Spock, e, representando a nova geração, Jam da Silva e Maciel Salu.



Por Olga de Mello

A ligação de Elba Ramalho com Pernambuco é tão intensa, que a cantora já se ofendeu quando, há anos, no Carnaval do Recife, foi apresentada como uma das “artistas de fora” a prestigiar a festa. “Fechei a cara. Imagina, meu pai é pernambucano, conheci frevo como música carnavalesca antes de samba”, lembra a paraibana Elba, que se cercou de pernambucanos em seu novo álbum Qual é o assunto que mais lhe interessa?. Além dos amigos Lenine, Alceu Valença e do produtor Lula Queiro-ga, o disco tem a Trombonada do Recife, o Maestro Spock, e, representando a nova geração de compositores, os jovens Jam da Silva e Maciel Salu.

Aos 28 anos de carreira, Elba não gravava discos há quase cinco anos. Neste, ela experi-menta novas linguagens musicais e convidou artistas como Roberto Frejat e Gabriel o Pen-sador para participar do disco, gravado no estúdio que montou em sua casa, no Rio de Ja-neiro. As canções – de diferentes gêneros, entre xote, rock e samba – falam em temas con-temporâneos, como a violência urbana e o aquecimento global e, para criar um ambiente que propiciasse a reflexão, a cantora escolheu fazer shows em teatros. O novo disco foi lançado junto com o DVD Raízes e Antenas, que regista shows na Bahia, na Paraíba e no Rio de Janeiro, com participações de Lenine, Yamandú Costa, Geraldo Azevedo, Trombo-nada do Recife, Maestro Spok, Gabriel O Pensador, Margareth Menezes e Lula Queiroga. O pai de Elba, João Nunes, de 90 anos, também aparece em sua casa, em Conceição, no sertão da Paraíba, cantando uma valsa com a filha. É ao pai que Elba Ramalho credita tanto sua identificação com Pernambuco quanto o amor pela música, que considera genético.



Sua identificação cultural com Pernambuco é conhecida. Como você vê a cultura pernambucana?

O registro de Pernambuco é muito forte para mim e para boa parte dos que vivem da atividade cul-tural. Embora eu não tenha nascido em Pernambuco, eu me considero um pouco pernambucana, por causa de meu pai. Existe tanta semelhança entre Pernambuco e a Paraíba... Realmente fiquei irritadíssima quando me incluíram entre os artistas de outras terras, ao lado de Alcione e Beth Car-valho, em um show de carnaval no Recife. Naquele momento, eu simplesmente não compreendi como alguém poderia me ver como uma cantora de outro Estado. Admito que meu afeto por Per-nambuco até se confunde com o que sinto pelo sertão onde nasci. Não consigo separar a Paraíba de Pernambuco, aliás, acho difícil ter alguém que consiga fazer a separação desses dois Estados. O que me fascina na cultura pernambucana é sua abrangência, sua versatilidade. Em diversos campos, não apenas no musical. No Recife, eu me sinto em casa, o público é caloroso, ardente. Esse calor, essa cordialidade e entusiasmo do povo certamente contribui para a riqueza da produção cultural per-nambucana, que nos deu e nos dá tantos compositores talentosos. Entre eles estão amigos muito próximos, verdadeiros irmãos, com quem sempre trabalhei, como Alceu Valença e Geraldinho Aze-vedo. Tive o privilégio de ser uma das primeiras artistas a cantar Lenine, que é um gênio, um poeta, um pensador, além de grande músico. Lenine é tão iluminado, que se tornou ícone rapidamente. Ele é um divisor de águas na nossa música.

Sua imagem é a de uma cantora nordestina, embora seu repertório inclua os mais diversos gêneros musicais. Este disco quer romper com essa imagem?

Eu queria me desvincular dos rótulos e lançar um disco que não fosse datado, que não precisasse cumprir uma agenda carnavalesca ou das festas juninas. O Nordeste está em mim, é claro, até neste trabalho há algum momento regional. Sempre procurei a diversidade, outras vertentes musicais. Eu gosto de ritmos variados, de mesclar sons produzidos em outros países com os nossos. Já misturei música caribenha com axé. O artista é tridimensional. Naturalmente, o Nordeste é minha grande referência, é o motor gerador de meu trabalho. Mas não preciso estar eternamente acompanhada por zabumbas, triângulos e sanfonas. Não me agrada a idéia de me fechar, da xenofobia musical. Fui criada ouvindo samba, Ataulfo Alves, Dalva de Oliveira, Pixinguinha e Edith Piaf. Meu pai me ensi-nou a perceber a música como uma linguagem universal. Restringir-se à fórmula, fazer sempre a mesma coisa, pode limitar o artista. Em casa, para as minhas filhas, eu canto de tudo, principalmen-te músicas folclóricas, “Boi da Cara Preta”, “Sabiá lá na gaiola”, que nos ajudam a construir nossa identidade cultural.

Como foi a escolha dessas canções?

Fiz um disco que pode ser compreendido e sentido no Brasil, no Rio de Janeiro, em São Paulo e na Ucrânia. Sou universalista, há 35 anos moro no Rio de Janeiro, passo boa parte do ano viajando pelo país inteiro. Então, eu procurei juntar xote, frevo, rap, mas também tem um samba maravilhoso, do João Nogueira e do Paulo César Pinheiro, “As Forças da Natureza”, que a Clara Nunes cantava. E tem música de Pedro Luís, de Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Jorge Ben Jor. Gravei em meu estúdio, em casa, foi um trabalho íntimo, da maturidade, que se refere ao sertão, às recordações de minha infância, e também ao que se encontra no caminho do mar. Sou uma artista brasileira, vivo em contato com meu povo, conheço o carinho em todas as partes do Brasil. E esse trabalho juntou amigos e novas vertentes musicais, unindo harpa, guitarra, roqueiros, rappers, sambistas. É um pou-co do que se ouve hoje em dia, música de qualidade, que se renova e que renova o artista também.

O público está acostumado a vê-la em palco comandando verdadeiras festas. Como é a reação a esta Elba mais intimista?

O ambiente dos teatros já leva o público a ter uma postura diferente, a se preparar para assistir e a refletir sobre o espetáculo. Já fiz shows homenageando Luiz Gonzaga e Dominguinhos. Desta vez, não tive preocupação em me limitar ao Nordeste, quis renovar, sentir-me revigorada. Não há como deixar de cantar “Banho de Cheiro” no bis. Afinal, tenho a obrigação de cantar o que o público quer ouvir. Em qualquer show meu, sempre houve um momento para canções mais românticas, mais dolentes. Nem ousaria deixar de apresentar “Aconchego”, as pessoas pedem. Então, mostro as novas canções, canto as antigas e o público sai satisfeito, depois de ter ouvido 10 novas músicas e 10 suces-sos que queriam cantar. Eu também saio contente, porque apresentei trabalhos novos e relembrei os que me trouxeram sucesso e boas lembranças.

(Leia a entrevista na íntegra, na edição nº 84 da Revista Continente Multicultural. Já nas bancas)






Olga de Mello é jornalista.

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