1.11.07

Valor Econômico - Livros


Nada mais global que as diferenças
Por Olga de Mello, para o Valor
01/11/2007



Pankaj Ghemawat, sobre globalização: "As fronteiras ainda existem, as distâncias físicas e culturais também"
"Redefinindo a Estratégia Global" - Pankaj Ghemawat. Bookman


A globalização tomou conta do planeta ou é uma ilusão que move companhias internacionalmente, trazendo prejuízos consideráveis aos que imaginam que o mundo inteiro poderá reproduzir modelos sem levar em conta as diferenças sócio-culturais entre países? A reflexão está nos estudos do economista indiano Pankaj Ghemawat, um dos mais renomados especialistas em estratégia empresarial, crítico da noção de "mundo plano", no qual a tecnologia e as grandes corporações derrubam fronteiras, estabelecendo métodos de operação padronizados em qualquer parte do mundo. "Não sou contra a globalização", esclarece Ghemawat, que chega a São Paulo nos próximos dias para participar da ExpoManagement 2007. "As fronteiras ainda existem, as distâncias físicas e culturais também, e a empresa que ignorar as diferenças entre os países está fadada ao fracasso nos negócios em suas filiais no exterior", acredita Ghemawat, que conversou com o Valor, por telefone, de Barcelona, onde mora.


Formado em matemática, PhD em economia de negócios, professor na Harvard Business School e no Instituto Superior de Estudos de Negócios (Iese) da Universidade de Navarra, na Espanha, Ghemawat já esteve no Brasil diversas vezes, analisando os processos de privatização e acompanhando a reestruturação de empresas, como o grupo Bozano, Simonsen. Ressalvando que não se sente à vontade para comentar a situação social do Brasil, ele a aponta como o principal entrave para as projeções de que o país estará entre as principais economias mundiais até o fim do século. "O Brasil é fonte de estudos constantes por causa da velocidade de seu crescimento econômico nos primeiros 70 anos do século XX e a superação, depois, das altíssimas taxas de inflação. É um país que não apostou apenas nos seus recursos naturais e tem uma produção diversificada. No entanto, acredito que algo deveria ser feito para garantir uma distribuição de renda mais igualitária , de forma que sejam superados os problemas sociais. A globalização trouxe avanços tecnológicos, mas não conseguiu melhorar a vida de populações que estão abaixo da linha da pobreza. Algo semelhante acontece na Índia, que se moderniza sem resolver os problemas de escassez, embora meu país seja muito mais pobre do que o Brasil", comenta Ghemawat.





Seu último livro, "Redefinindo a Estratégia Global", da Bookman, que será lançado no próximo mês, traz um atrativo extra para os brasileiros: o exemplo do futebol para explicar os processos de globalização, já que a internacionalização do esporte ocorre ao mesmo tempo em que o mundo se abre para o capital externo. "Os leitores americanos podem ficar decepcionados, já que me refiro ao que eles chamam de "soccer". Os esforços para popularizar o esporte mais difundido no mundo entre os maiores consumidores do setor, que estão nos Estados Unidos, fortalecem os argumentos que comprovam as diferenças culturais entre os países", afirma Ghemawat. No livro, ele recorda que a expansão do futebol, durante o apogeu do Império Britânico, sofreu uma retração no período das duas guerras mundiais, quando os governos europeus restringiram o intercâmbio de jogadores, retomado apenas no fim da década de 1950. Enquanto isso, os países do Leste Europeu coibiam a saída de seus atletas.


"A situação só mudou nos anos 1990, quando os clubes europeus acabam com essas regras e montam equipes com jogadores de todas as partes do mundo, o que vai se refletir diretamente no aumento da participação de países africanos na Copa do Mundo", diz Ghemawat.


O futebol não serve apenas como metáfora para a globalização. Ghemawat aponta para a necessidade de se obedecer às peculiaridades locais no mundo dos negócios. Em 1999, a Hicks, Muse, Tate & Furst investiu US$ 60 milhões no Corinthians. O time paulista foi campeão mundial de clubes no ano seguinte, mas não repetiu o bom desempenho no Brasil. "Infelizmente para a Hicks, o circuito de clubes brasileiro era tão condicionado pela política e corrupto quanto era cativante o estilo de jogo dos brasileiros", comenta Ghemewat no livro. Em sua opinião, a empresa deixou o Corinthians em 2003, derrotada, principalmente, por haver desprezado as características locais.


"Uma companhia abre filiais no exterior porque foi bem-sucedida em seu país. Por mais que deseje trabalhar seguindo o modelo da sede, terá que se adaptar ao novo ambiente ou acabará derrotada pelas diferenças", diz.


A certeza sobre a validade de seus próprios métodos leva muitas empresas a desprezarem informações importantes sobre os hábitos de outros povos. "A globalização acontece mais como um ato de fé, de autoconfiança, do que de análise. 90% dos gerentes não estudam os hábitos do novo local onde vão trabalhar, acreditando que basta repetir a metodologia empregada em seu próprio país. Se não for pensada uma estratégia diferente, adaptada ao novo ambiente, a empresa pode fracassar, não importando quanto invista no país estrangeiro", afirma Ghemawat. Para ele, o mundo vive uma fase de semiglobalização. Até a conectividade através da internet, afirma, ainda é parcial. Segundo Ghemawat, o Google atinge a apenas 28% do mercado da Rússia e sofre dificuldades para se estabelecer plenamente na China, onde o sistema de censura à informação é oficial.


"A democratização da informação através da internet existe, mas o mundo não estará totalmente integrado amanhã. As melhores estimativas indicam um nível de internacionalização abaixo de 20% na rede", diz Ghemawat. Ele considera um exagero falar em morte da distância com base apenas no trabalho feito em diferentes locais, graças à tecnologia. "Os níveis de integração vêm aumentando de modo geral, mas ainda levaremos décadas nesse estágio de semiglobalização", afirma Ghemawat, que escolheu como epígrafe para um dos capítulos do livro as palavras de Robert Louis Stevenson, escritas em 1883: "Não existem terras estrangeiras. Estrangeiro é o viajante".

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