28.8.07

Alfarrábios

Cantora diz que foi incumbida por Deus de falar ao povo brasileiro
Baby do Brasil faz curas espirituais e grava CD evangélico

Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio de Janeiro



Há algum tempo se registra um aumento na conversão de artistas brasileiros a seitas evangélicas, mas ainda é pequena a conquista de adeptos no mundo do samba e entre os roqueiros. Quem conjuga as duas vertentes musicais e sempre teve seu nome associado à irreverência e à experimentação é a cantora Baby do Brasil, que tem ministrado curas espirituais nos cultos do Ministério do Espírito Santo de Deus, todas as quartas-feiras, no Clube Monte Líbano, no Rio de Janeiro.

As mudanças na aparência são discretas: “Meus cabelos estão mais coloridos do que nunca, mas parei de usar roupas decotadas. Vivo na frente de uma batalha contra o inimigo. Não quero seduzir, quero a naturalidade da autenticidade que sempre defendi. Agora sou ministra de louvor e preciso viver com serenidade”, diz a cantora, revelando estar celibatária há meses e que não precisou afastar-se de cigarros ou de qualquer substância tóxica.

“Nem no tempo dos Novos Baianos eu fumava ou bebia. Todo mundo fica admirado, porque achavam que eu era doidona. Álcool me faz mal, não gosto de drogas.” Baby nem se preocupou em mudar o repertório. Faz shows com as antigas músicas e acaba de gravar o CD “gospel” “Exclusivo para Deus”. “Sempre cantei o amor, a procura da felicidade.” A polêmica “O Mal É o que Sai da Boca do Homem”, dela e do ex-marido e pai de seus seis filhos, Pepeu Gomes, mais conhecida por seu primeiro verso (“Você pode fumar baseado”), já foi excluída dos shows há anos, quando a censura proibiu sua execução por considerá-la uma apologia à maconha.

A conversão é fruto de longa procura espiritual. Conheceu culturas hindus, ligou-se ao guru Thomas Green Norton, mas jamais se prostou em frente de altares ou imagens, o que é considerado idolatria pelos protestantes. Conta que desde criança ouvia vozes que lhe indicavam os caminhos a seguir, entre eles o de fugir de casa aos 17 anos e ir para a Bahia, após ter sido tão católica que desejara tornar-se freira.

Depois de percorrer por um mês o caminho dos cristãos para Santiago de Compostela, na Espanha, no ano passado, acabou chegando à Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, na Liberdade, em São Paulo. Foi ao lado de irmãos da comunidade que teve sua primeira experiência de arrebatamento e êxtase, tendo, segundo conta, chegado à presença de Deus e de Cristo.

“Em junho, Deus me disse para falar ao povo. Abri uma pequena célula, com apoio espiritual da comunidade Sara Nossa Terra. Deus não me puxou antes para que eu mostrasse ao Brasil minha busca. Quando falo sobre o amor de Cristo, sou ouvida porque tenho credibilidade, porque há muito eu cantava essa procura. Agora, conheço a verdade, a razão do cosmos, do nascimento, da natureza. Minha linguagem é diferente, mais universal, inspirada por Deus”, diz Baby.

Para o antropólogo Rubens César Fernandes, diretor-geral do Instituto Superior de Religião, a conversão ao protestantismo de artistas com comportamento pouco convencional ocorre quando a religião consegue conciliar “a sobriedade ética com o entusiasmo da espiritualidade exuberante”. Ele observa que as igrejas pentecostais têm uma formação de sacerdotes bastante libertária, o que combina com o pensamento desses artistas.

“A primeira geração de protestantes no Brasil era intelectualizada e dedicou-se ao ensino, fundando escolas e faculdades como o Mackenzie, em São Paulo, e o Instituto Bennet, no Rio. A superstição e os milagres espirituais eram cultuados por católicos e umbandistas, classes mais populares. Já na década de 50, os protestantes começam a ganhar adeptos, até a explosão pentecostal dos anos 80”, afirma.

De acordo com ele, os pentecostais valorizam o Espírito Santo, não a razão. Por isso, os pastores se formam sem cursar seminários, pois se consideram tocados por Deus. “Essa liberalidade permite até que artistas como a Monique Evans, que trabalha vendendo artigos eróticos, seja freqüentadora de uma igreja que, tradicionalmente, condenaria prática semelhante”, conclui.

Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio de Janeiro

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