20.11.06

Valor Econômico - Entrevista Autran Dourado

“Escrever é quase uma obrigação”

Por Olga de Mello, para o Valor

17/12/2006

Valor – Por que o senhor nunca se candidatou à Academia Brasileira de Letras?

Autran Dourado – Na minha idade, já sou vaga na Academia. Esta é a resposta que dou quando, vez por outra, me sondam para a Academia, que respeito muito como instituição. Tenho muitas atividades, hábitos definidos. Escrevo todos os dias, faço palestras em universidades, viajo aos fins de semana para Petrópolis (Região Serrana do Rio), almoço aos domingos com meus filhos e netos. Para relaxar, assisto filmes clássicos na televisão, principalmente Pasolini, Bergman, Fellini e westerns. E há um ano freqüento academia de ginástica, por ordem médica, faço musculação.

Valor – Como é seu contato com os leitores?

Autran Dourado – Ele se dá, principalmente, nessas palestras. Sou muito procurado por estudantes de Letras que estudam meus livros. Há pelo menos 40 teses sobre minha obra. Isso dá uma satisfação enorme, confesso. O reconhecimento, para o escritor, é o que mais vale na carreira. Admito que fico envaidecido ao ter meus livros traduzidos para outros idiomas e lançados em diversos países, entre eles França, Alemanha, Estados Unidos e Noruega. Assim como foi muito bom receber o Prêmio Camões - até porque eu não faço política literária.

Valor – Por que as histórias do “Senhor das Horas” voltam ao mesmo cenário de outros livros seus, a cidade de Duas Pontes?

Autran Dourado - Duas Pontes é a cidade imaginária mais parecida com Monte Sião, onde fui criado. Com um mês de vida, saí de Patos, onde nasci. Aos 11 anos, fui para Belo Horizonte estudar, aos 28, me mudei para o Rio de Janeiro, mas pouco conheço da cidade. Sou muito caseiro, nunca entrei em uma boate. O melhor lugar para ambientar meus assuntos e construir meus personagens é a cidade de minha infância.

Valor – O senhor não quis viver em um lugar mais tranqüilo que o Rio de Janeiro e mais parecido com Duas Pontes?

Autran Dourado – Em 1960, eu era secretário de Imprensa de Juscelino Kubistchek, que me convidou para acompanhá-lo a Brasília. Eu falei: ‘Presidente, o senhor me tirou de Belo Horizonte; agora quer me levar para um lugar aonde não tem livraria”. Não fui, naquela época Brasília não tinha nada. Existem confortos na cidade grande que são necessários, sobretudo para quem faz cultura.

Valor – O que lhe dá mais prazer, escrever ou ler?

Autran Dourado – Escrever é quase uma obrigação. Escrevo todos os dias, sempre de manhã. Tomo notas e deixo as idéias amadurecerem, porque me preocupa a estrutura vertical de cada livro. A unidade é mais fácil nos contos, em poucos dias resolvo aquela narrativa. Romances, não, demoro de um a dois anos até chegar ao fim. Depois que acabo um livro, até sinto que me realizei, mas, na verdade não gosto do ato de escrever. É trabalhoso. Tenho mais um romance planejado, mas precisei parar e acertar os contos deste livro. Gosto mesmo é de ler.

Valor – Quais são seus autores preferidos?

Autran Dourado - Machado de Assis, sempre que sinto que minha língua está desgastada, de tanto ler obras em outros idiomas. Gosto muito de Faulkner, James Joyce, Thomas Mann. Dos brasileiros, José J.Veiga, Rubens Fonseca. Quando pego um livro novo, leio logo o fim da história. Aí, acaba a surpresa e posso me concentrar na sua estrutura. Mas não recomendo que outros leitores façam o mesmo.

Valor – O senhor ainda vota?

Autran Dourado – Faço questão de votar. O Brasil ficou muito tempo sem votar, durante duas ditaduras, a de Getúlio Vargas, nos anos 30, e durante o regime militar. Foram períodos cinzentos na vida do país. Essa onda de denúncias sobre corrupção me inquieta, pois é uma situação propícia para golpes de estado. Foi assim em 1930 e em 1964. As ditaduras sempre nascem alegando que pretendem moralizar, quando são apenas disputas pelo poder. Eu não sei se Lula consegue conter a corrupção. Não dá para permanecermos alheios dos problemas sociais neste país, Todos os dias vejo aumentar um grupo de pessoas que dorme na rua onde moro. Isso é fruto da falta de uma política de reforma agrária. Há anos as populações de migrantes não conseguem emprego nas cidades grandes.

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