3.10.06

Valor Econômico - Literatura

Vai-se o autor, fica o fantasma

Por Olga de Mello
30/06/2006

Em dezembro de 1941, Francis Scott Fitzgerald morria, deixando pela metade o romance "O Último Magnata". O manuscrito foi publicado acrescido de notas e um diagrama com o desenvolvimento da história, montado pelo escritor. Para críticos como Edmund Wilson, "O Último Magnata", mesmo não concluído, seria a obra prima de Fitzgerald. Sessenta anos mais tarde, fatalmente os herdeiros de Fitzgerald poderiam contar com o assédio de escritores interessados em concluir o romance inacabado e, talvez, criar novas tramas no estilo do autor, garantindo uma duvidosa qualidade para a continuidade da obra e polpudos lucros com as vendas para admiradores e curiosos.

Reprodução Alexandre Dumas: mais de 200 livros, produzidos com 73 assistentes

A voracidade de herdeiros - e do público - pelas seqüências literárias se faz notar a partir dos anos 1980. Em 1991, "Scarlett", a continuação da saga da protagonista de "E o Vento Levou", escrito por Margareth Mitchell em 1939, era lançado. Sua autora, Alexandra Ripley, fora escolhida pelos herdeiros de Mitchell, que dez anos depois levavam aos tribunais Alice Rendall, por contar a história de "E o Vento Levou" pelo ponto de vista dos escravos. Para voltar à lista de mais vendidos e escapar à acusação de plágio, Rendall fechou um acordo politicamente correto, doando uma quantia não revelada a um colégio de Atlanta muito procurado por alunos da comunidade negra.

Selecionar um autor que mantenha o prestígio de vendas de um escritor famoso é negócio tão sério que os herdeiros de Mario Puzo promoveram um concurso para escolher quem iria retomar a saga da família Corleone, iniciada em "O Poderoso Chefão". No entanto, contratar "ghost writers" para dar seqüência ao trabalho de escritores famosos não é um fenômeno típico do fim do século XX.

A arte de escrever a quatro - ou a muitas mãos - data de tempos pré-máquina de escrever. Para dar conta das encomendas de peças e novelas que recebia, o romancista francês Alexandre Dumas montou, em meados do século XIX, uma verdadeira fábrica de textos, gerando mais de 200 livros - que teriam até 37 mil personagens - auxiliado por 73 assistentes. Dizem que Dumas trabalhava lado a lado com seus colaboradores, que desenvolviam enredos sobre argumentos que ele imaginava. Mestre na criação de diálogos, perito em arrematar capítulos de folhetins que atiçassem a curiosidade dos leitores - técnica atualmente empregada em seriados e telenovelas - Dumas conquistou sua imortalidade artística pela qualidade de obras como "Os Três Mosqueteiros" e "O Conde de Monte Cristo".

Na chegada do século XX, o escritor americano Edward Stratemeyer criou uma estrutura parecida com a de Dumas, ao idealizar coleções de livros infanto-juvenis que dispensavam autoria. "Ghost writers" se revezavam, sob os mais variados pseudônimos, para contar as aventuras de personagens de grande popularidade, entre eles os Hardy Boys e Nancy Drew, com a chancela da empresa Stratemeyer Syndicate. A identidade de muitos desses escritores permanece desconhecida até hoje, pois, por contrato, eles eram obrigados a manter-se no anonimato. As iniciativas isoladas sinalizavam, portanto, que a literatura - ainda que de puro entretenimento - alcançara um patamar industrial.

AP Robert Ludlum, 26 livros, mais de 200 milhões de exemplares: tudo bem combinado com quem escreveria a série "Covert One" depois de sua morte

É na década de 1960 que nasce um novo estágio do empreendimento comercial em que o livro havia se transformado: a franquia literária, aberta a partir da morte de Ian Fleming, o criador de James Bond, em 1964. Até então, Fleming vendera "meros" 20 milhões de exemplares das 14 novelas e alguns contos sobre o agente 007. Naquele ano foi lançado o filme "Moscou contra 007". Um ano depois, era publicado "O Homem da Pistola de Ouro", gerando rumores de que fora concluído pelo prestigiado romancista Kingsley Amis, que assinou, sob o pseudônimo Robert Markam, mais duas aventuras do agente 007. Enquanto Fleming escreveu algo como 14 novelas e alguns contos sobre Bond, o personagem rendeu mais 27 romances de espionagem, desenvolvidos por Amis, Christopher Wood, John Gardner e Raymond Benson, ao longo dos últimos anos.

Nem todas as franquias literárias são tão bem-sucedidas quanto a de James Bond, mas a perspectiva de aumentar ainda mais as fortunas herdadas é, provavelmente, a mola propulsora para o prosseguimento das carreiras de alguns escritores que já não habitam o planeta. Ou a capa dos livros traz o nome do personagem sobre o dos autores - caso da logomarca 007 - ou o autor, falecido, assina obras póstumas, dando crédito ao escrito-fantasma, que, assim, pode se revelar ao público e granjear seus próprios leitores. Alguns, como Andrew Neidermann, responsável por injetar vida na carreira pós-mortem de V.C. Andrews, que morreu em 1986 e, desde então, publicou 48 romances góticos. Neiderman é autor de "O Advogado do Diabo", que atraiu a atenção dos produtores de Hollywood e virou filme com Al Pacino e Keanu Reeves.

A autoria de além-túmulo é um negócio tão respeitado atualmente que Robert Ludlum deixou acertado que seus assistentes Patrick Larkin, Gayle Lynds e Philip Shelby escreveriam a série "Covert One" depois de sua morte. Autor de 26 livros com mais de 200 milhões de exemplares vendidos em 40 países, Ludlum morreu em 2001. A série está em seu oitavo volume, para glória do nome de Ludlum, e deleite de seu público, colaboradores e herdeiros.

Um comentário:

superstar disse...

good picture