3.10.06

Valor Econômico - Entrevista Marcos de Azambuja

O Brasil não conhece o Brasil


28/07/2006

Valor: Quais são as diferenças de percepção do Brasil?

Carol Carquejeiro/Valor Marcos de Azambuja, que foi embaixador na França e na Argentina: "Existe uma expectativa de prazer quando se fala em Brasil, percebe-se imediatamente a exuberância, na natureza, vitalidade, energia"

Marcos de Azambuja: Nosso primeiro registro, a carta de Pero Vaz de Caminha, é um primoroso trabalho de um repórter estrangeiro. Durante 200 anos, o país não teve capacidade para se perceber. Vinham pintores, cientistas, que apenas retratavam a natureza brasileira e consideravam o homem um mero acessório. A marchinha de Lamartine Babo, "Quem Foi que Inventou o Brasil?" nos convida a uma reflexão sobre este país que se definiu pelo que os demais falam de nós. Depois de algum tempo, passou a ser a invenção de quem está aqui dentro.

Valor: Como o Brasil é visto pelos estrangeiros?

Azambuja: O estrangeiro sorri quando se menciona o Brasil, existe uma expectativa de prazer quando se fala em Brasil. O que eles percebem, imediatamente, é a exuberância, seja na natureza, na vitalidade, na energia em estado puro que o povo demonstra pela cordialidade, na afetividade que domina a racionalidade. Tem ainda a musicalidade brasileira, o fato de as pessoas se exprimirem melhor cantando do que falando, de que se canta em qualquer reunião.

Valor: E os pontos negativos?

Azambuja: Os pontos negativos seriam a insensibilidade social, o hábito de viver com uma certa dose de periculosidade, sem ligar muito para a saúde, e a desordem intelectual.

Valor: Como o Brasil se percebe?

Azambuja: O Brasil é excessivamente severo consigo mesmo. É um país que toma como base de comparação econômica, cultural e social não os seus pares, mas as nações de Primeiro Mundo. A exigência é muito alta e a capacidade de autoflagelação maior ainda. O único resultado aceitável no futebol é o sucesso. O torcedor brasileiro é implacável. Da mesma forma, condena com veemência a corrupção e se atemoriza. O brasileiro é um detrator público de seu próprio país.

Valor: Os estrangeiros que vivem no Brasil também são críticos?

Azambuja: Nem tanto. A opção por ser brasileiro foi tão absoluta que os imigrantes abandonaram suas tradições. Nos EUA existem ítalo-americanos; na Argentina, anglo-argentinos. No Brasil, é diferente. Quem emigra, geralmente, deixa sua terra pressionado pela pobreza, pelo terror, pela intolerância, vai se recriar em outro lugar. Mas aqui o estrangeiro não conheceu uma resistência que o obrigasse a se identificar com seus compatriotas. Não havia necessidade de reter sua identidade nacional.

Valor: Os imigrantes adaptaram suas culturas ao Brasil?

Azambuja: O Brasil é fruto do sincretismo, que levou a esta composição social diversificada, à miscigenação. A feijoada é o Brasil, com sua mistura, que, no fim, tem um bom resultado. Por isso o Brasil é o mais interessante laboratório de convívio do mundo, com tantas diversidades étnicas e culturais. Se o Brasil não for possível, o mundo é impossível. O mundo futuro terá a nossa cara, a globalização está levando a um abrasileiramento do mundo.

(Olga Mello, para o Valor, do Rio)

Nenhum comentário: