10.3.12

Valor Econômico - Livros

03/05/2011 às 00h00
Novas histórias, com novos protagonistas
Por Olga de Mello | Para o Valor, do Rio

"A Cultura da Participação - Criatividade e Generosidade no Mundo Conectado"

Clay Shirky. Trad. de Celina Portocarrero. Zahar. 212 págs., R$ 39,90

Solidariedade, democratização da informação, superficialidade, substitutivo do vazio existencial, meio de integração para os solitários, participação. Qualquer uma dessas expressões poderia referir-se à Web 2.0 ou, em outras épocas, a veículos de comunicação que ampliaram o acesso a informações. As críticas positivas ou negativas à internet são as mesmas sofridas pelo cinema, pela televisão e até pela prensa de Gutenberg, afirma Clay Shirky, autor de "A Cultura da Participação". Os protestos da atualidade estão diretamente ligados às perdas de capital decorrentes do compartilhamento gratuito de conteúdo, diz Shirky, professor de telecomunicações interativas da Universidade de Nova York e um dos mais celebrados estudiosos da internet.

Entusiasta da Web 2.0, Shirky é de um otimismo que poderia até soar pueril em relação ao alcance da internet e os benefícios que a mobilização social traz a diferentes causas. Seu texto francamente didático credita as reações ao comportamento dos internautas ao temor da mídia, cujo propósito declarado seria o de fomentar o consumo de "produtos criados por profissionais". A autonomia desses espectadores, que abandonam a passividade para adotar o papel de protagonistas, levou quem produzia conteúdo anteriormente a rotular como medíocre boa parte do que hoje circula pela internet. A esses, Shirky recorda que a popularização da leitura não gerou multidões de eruditos, no século XVII, permitindo, ao contrário, a primeira grande manifestação do apreço popular por um "mar de lixo" literário. Agora é a indústria cultural que se intimida com os internautas que, movidos pelo que Shirky considera a generosidade intrínseca do ser humano, fizeram o compartilhamento imperar na época que deveria consagrar o apogeu do consumismo - sempre estimulado pela televisão, principal forma de entretenimento no mundo desde a década de 1950.

Facilitar os encontros de interesses é outra peculiaridade da internet enaltecida por Shirky. A articulação em torno de ideais seria semelhante à que juntou artistas como os impressionistas franceses, em fins do século XIX, ou os skatistas que se dedicavam a acrobacias nas piscinas californianas nos anos 1970. Mas o alcance do universo virtual tem encontrado adversários no mundo real. Em 2008, o Pick Up Paul, um site de organização de caronas que reúne mais de 150 mil usuários em 119 países, foi acusado de concorrência indevida por empresas de ônibus canadenses. Pouco depois de ganharem a ação judicial, as transportadoras de Ontário tiveram de se curvar à alteração da legislação local, que passou a permitir a combinação de caronas pelo site.

A dualidade moral que a internet instigou, com o desrespeito aos direitos autorais, é minimizada por Shirky. Ele critica os esforços da indústria fonográfica em tentar proteger seus interesses difundindo uma tese, "que jamais fez sentido", em forma da acusação, "dirigida aos mais velhos, de que os jovens seriam moralmente inferiores", por baixarem músicas da internet sem respeitar direitos autorais.

Tais batalhas morais travadas em nome de direitos autorais não convenceram Shirky. Ele recorda que os advogados de acusação durante o processo contra Shawn Fanning, criador do Napster, tentavam mostrar, em 1999, que a ferramenta simbolizaria a corrupção moral dos jovens que escarneciam da propriedade intelectual. Outro mito difundido pela mídia em geral era de que a Geração X seria mais indolente do que as anteriores, o que foi desmentido pela vocação empreendedora de muitos dos que trabalham com internet. Para Shirky, o compartilhamento de música não é "uma calamidade social fruto de malandragem nem a aurora de uma nova era da bondade humana". Ele prefere destacar a mobilização dos internautas em torno de causas políticas, ambientalistas ou filantrópicas. Só o Facebook tem 350 mil grupos que arrecadam milhões de dólares em contribuições financeiras.

A participação de incontáveis anônimos nessas redes de benemerência jamais alcançou proporções como as atuais. A razão, acredita Shirky, é simples: antes, não havia a oportunidade de integração oferecida pela internet. O desejo de auxiliar os menos afortunados estaria latente, porque, conforme demonstrariam alguma pesquisas científicas consultadas pelo escritor, a maioria das pessoas sente prazer inato em auxiliar os menos afortunados. Para Shirky, o comportamento e a motivação humana mudam pouco, mas são acionados quando as oportunidades surgem.

Aos que se preocupam com o sedentarismo em frente ao computador, Shirky recorda que os americanos passam em torno de um trilhão de horas por ano diante da televisão - e sem qualquer interação social. Afirmando que o ato criativo mais estúpido ainda é um ato criativo, ele destaca que, pela primeira vez em 60 anos de domínio da televisão, uma geração de jovens dá preferência a outro tipo de atividade em seu tempo livre. Melhor do que manter-se passivo em frente à televisão, acredita.

http://www.valor.com.br/arquivo/885481/novas-historias-com-novos-protagonistas

Nenhum comentário: