17.9.10

Valor Econômico - Livros

Revisitando Bauman, crítico ácido da sociedade movida a endividamento

Olga de Mello, para o Valor, do Rio

24/08/2010


Que os conhecedores da obra do sociólogo polonês Zygmunt Bauman não esperem encontrar surpresas em "Vida a Crédito", uma compilação de suas entrevistas à jornalista mexicana Citlali Rovirosa-Madrazo. Estão ali as contundentes críticas ao capitalismo, ao incentivo ao crédito, que cria legiões de endividados, à volúpia pelo lucro do sistema bancário - ideias expostas em livros anteriores, com repetição até de exemplos já apresentados. À parte a ausência de novidades, "Vida a Crédito" reforça o pensamento lúcido de Bauman, que conclama à reflexão sobre o momento que o mundo atravessa, tratando da globalização econômica à massificação do pensamento - e, principalmente, da falta de comunicação que subsiste na era da informação.

Ao retomar temas desenvolvidos em toda sua bibliografia, entre eles o da transição da sociedade de produtores para uma sociedade de consumidores (e que se transformou em uma sociedade de devedores), o professor emérito das Universidades de Leeds, na Inglaterra, e Varsóvia traça uma análise apaixonada do capitalismo, que, em seu entendimento, deixou de nutrir-se do trabalho mal remunerado, indo buscar meios de crescimento na especulação financeira. Para Bauman, o crédito é um vício que alimenta um sistema parasitário - o capitalismo - que só prejudica a saúde de quem depende dessa opção para consumir. No entanto, o estímulo à manutenção de dívidas criou ações diferenciadas, que apenam os bons pagadores. Como lembra o sociólogo, uma instituição financeira britânica recusou-se a renovar cartões de crédito para quem quitasse suas dívidas em dia.

"Vida a Crédito" aborda diferentes aspectos da sociedade contemporânea, como a concepção atual de Estado, a xenofobia, as guerras étnicas, a superpopulação e os problemas ambientais - que, no entender de Bauman, são minimizados por todos os governos e, consequentemente, por todos os povos. Todos os temas voltam-se para a exploração do capital sobre o homem, já que o Estado social, criado para promover os interesse vitais da sociedade de produtores, assegurando seu bom funcionamento, perdeu sua força para o capitalismo, que lucra com a especulação e não com o trabalho.

"Os pobres já não são vistos como os 'reservistas' da indústria e do exército, que devem ser mantidos em boa forma (...). Hoje, o gasto com os pobres não é um investimento racional. Eles são uma dependência perpétua, e não um recurso em potencial", diz Bauman, que vê crescer o preconceito contra a pobreza, expresso até na rotulação da categoria social, que classifica os pobres como "classes baixas".

Embora não acredite no fim do capitalismo, que sempre encontra maneiras de reinventar-se, Bauman declara não sofrer de "nostalgia do comunismo", que associa a "um atalho para o cemitério das liberdades e para a escravidão". Ele mantém, contudo, sua "crença na sabedoria e na humanidade da orientação socialista", que permite opor-se à "desigualdade, discriminação e negação da dignidade humana".

O capitalismo, afirma, não traz soluções para os problemas que cria, nem é um sistema que se autoequilibra ou se move pela mão invisível do mercado, sendo incapaz de dominar a instabilidade que produz. "A capacidade de autocorreção imputada ao capitalismo por economistas de sua corte se resume à destruição periódica de 'bolhas de sucesso', com explosões de falências e desemprego em massa, com um custo imenso para a vida."

Aos 84 anos, Bauman demonstra esperança e carinho em relação à geração Y, formada pelos que têm entre 11 e 28 anos (num dos conceitos que a definem). Nascidos em um ambiente saturado de informações eletrônicas, esses jovens mantêm relações distanciadas da família e dos amigos, embora as formas de comunicação tenham evoluído e sejam, talvez, mais valorizadas do que os laços afetivos, observa Bauman.

A falta de motivação da geração Y para estudar ou trabalhar viria do gradual afastamento do mundo real, o dos adultos. As relações sociais superficiais, baseadas em conhecimento virtual, contribuiriam para a dissociação da realidade. Observando que os pais da geração Y, que hoje têm entre 28 e 45 anos, também veem o trabalho como uma atividade maçante, necessária apenas para sustentar os prazeres da vida, Bauman pressente que a entrada no mercado profissional pode ser traumática para esses jovens - que acreditariam no bem-estar social e na inexistência da perspectiva de desemprego (em países europeus ou na América do Norte), além de possibilidades incontáveis de deixar atividades maçantes em busca de outras, mais prazerosas.

A imagem que retrata as expectativas da geração Y, para Bauman, está em uma cena de "O Diabo, Provavelmente", filme de Robert Bresson, lançado em 1977, em que não há personagens adultos e sua existência só é percebida quando os jovens protagonistas se reúnem em torno de uma geladeira cheia de alimentos fornecidos pelos pais.

"Nossos jovens aguardam por um rude despertar. Os países mais prósperos da Europa esperam que o desemprego em massa volte. (...)", lembra Bauman, observando que a recessão também reduzirá as possibilidades de sustentar lazer e consumo através do crédito.

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