3.1.08

Valor Econômico - Livros

A força dos 'think tanks' na política
Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio
27/12/2007


"Os Think Tanks e Sua Influência na Política Externa dos EUA" - De Tatiana Teixeira. Editora Revan, R$ 39


Quem vive em um país onde idéias e atuação dos governantes parecem emanar unicamente do Poder Executivo dificilmente compreende a força dos poderosos "think tanks" na política americana, afirma Tatiana Teixeira, que escolheu os "reservatórios de pensamento" e sua atuação após o 11 de Setembro como tema de sua tese em relações internacionais na Universidade Federal Fluminense (UFF). Publicada pela Revan, "Os Think Tanks e Sua Influência na Política Externa dos EUA" conquistou o prêmio Franklin Delano Roosevelt concedido pela embaixada americana a pesquisas acadêmicas na área de ciências sociais.


"Como são um modelo de instituição tipicamente americano, parece que os 'think tanks' são um instrumento projetado para manter a hegemonia americana. Esse maniqueísmo é extremamente reducionista", observa a pesquisadora. "Precisamos entender sua dinâmica, conhecer cada vez mais os possíveis parceiros ou adversários do Brasil. Nosso poder de barganha em qualquer fórum internacional ou discussão bilateral será ampliado somente se tivermos mais conhecimento da realidade externa", prossegue.


O interesse pelo tema surgiu quando Tatiana trabalhava em duas agências internacionais de notícias e percebeu a presença constante dos "think tanks" na divulgação de idéias pela mídia. Há poucos dias, por exemplo, um instituto de pesquisa americano apresentou um relatório que apontava a necessidade de países emergentes se comprometerem com todas as cláusulas do Protocolo de Kyoto, não apenas se beneficiando da venda de créditos de carbono.


"Eles têm uma análise mostrando a culpa dos emergentes no aquecimento global. Ora, quem está falando isso não é o governo americano, mas o assunto entra na pauta mundial. Se o governo vai incorporar essas idéias terá sido legitimado por um debate amplo", explica. "É uma operação extremamente sofisticada e bem articulada, recorrente em todos os aspectos da política externa americana."


O estudo de Tatiana não contempla as instituições brasileiras que também se dedicam ao estudo de idéias e aos problemas brasileiros: "Os nossos 'think tanks', que seriam institutos de pesquisa, consultorias, organizações não-governamentais dedicadas ao terceiro setor, não têm a mesma relevância", avalia.


Para ela, isso ocorre por uma questão cultural, que faz com que essas instituições sejam encaradas com desconfiança pela população que os conhece. "Alguém que abra uma consultoria depois de haver trabalhado no governo, para nós, é ainda objeto de estranhamento, assim como demonstrar interesse em continuar influenciando nos rumos do país mesmo sem mandato ou exercer a política profissionalmente."


Nos Estados Unidos, Tatiana observa que essa mesma situação é prova de nacionalismo, um conceito que serve bem a eles, embora os americanos tenham dificuldade em lidar com a defesa nacionalista de outros países. O puritanismo que contribuiu para a formação de uma identidade americana também teria forjado a noção de Terra Prometida e de povo escolhido que os Estados Unidos cultivam.


"Os 'think tanks' têm respaldo porque sempre querem defender os interesses americanos. Desde o 11 de Setembro, foi essencial que eles chegassem fisicamente ao Oriente Médio."


Embora a maioria dos cerca de 1,5 mil "think tanks" atualmente defenda posições conservadoras, o primeiro governo americano a estreitar laços com tais instituições foi o do democrata Jimmy Carter, em 1976. A proliferação dos institutos ocorreu a partir dos anos 70, com seu ápice de crescimento na década de 80, quando o cenário americano começou a ser dominado pelos "think tanks" menos progressistas.


Tatiana lembra que os conservadores estavam perdendo a guerra para a contracultura, que recebia o apoio das ditas minorias, tendo encontrando nos "think tanks" a melhor forma de reagirem e não perderem todo o processo político para os liberais. A situação é inversa hoje, com a direita americana aparentemente ganhando o respeito da opinião pública ao utilizar ferramentas de divulgação mais atraentes.


"Não existe ingenuidade nesse campo. Os sites dos 'think tanks' conservadores são interessantes, bem desenhados, mais modernos, mais completos, com mais recursos. O objetivo claro é facilitar a consulta, o acesso ao material", analisa. "Enquanto isso, a esquerda e o centro vêm atuando, faz algum tempo, com base em uma agenda há muito estabelecida pelos conservadores. Está faltando aos democratas e progressistas estabelecer uma agenda própria. O 11 de Setembro dificultou isso com o ideário da guerra ao terrorismo", afirma Tatiana Teixeira.


Os "think tanks" americanos de hoje se estruturaram como centros de produção e articulação de conhecimento que tratam de diferentes questões sem torná-las foco de debates permanentes. Mantidos por universidades, recebendo verbas de governos, de empresas particulares ou gerando renda por meio de produção própria, os "think tanks" montam equipes com analistas renomados, o que atrai mais receita e amplia suas chances de influenciar o meio político.


Segundo Tatiana Teixeira, por mais diversas que sejam as fontes de recursos, as instituições precisam demonstrar que não trabalham em função de interesses pontuais ou restritos, o que comprometeria a credibilidade.


"Não podemos encarar os 'think thanks' apenas como um lobismo sem fins lucrativos. Eles são uma ferramenta para legitimar interesses - incluindo econômicos -, nos níveis doméstico e internacional, só que afiançado pelas idéias, argumentações científicas, números", afirma. "Enquanto os lobbies se preocupam com os interesses específicos, os 'think tanks' têm objetivo mais amplo. Mesmo que a última geração deles esteja mais voltada para influenciar a política de alguma forma, o intuito é conseguir algo que seja pelo bem comum, sem pressionar diretamente os políticos, mas persuadindo a opinião pública a respeito de suas idéias."

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