4.2.11

Valor Econômico - Economia e Política

As várias vozes da crítica antiliberal

Política e Economia: Lênin, Hitler, Getúlio, nomes de um coro que também teve Fernando Pessoa e Keynes.

Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio
05/10/2010


Mais do que um intervalo entre duas guerras mundiais, o período entre 1918 e 1939 foi marcado por convulsões sociais e pela difusão de ideias acerca de uma nova ordem que se avizinhava depois da queda de impérios na Europa e no Oriente. Se o momento era de otimismo e muitos acreditavam que o autoritarismo perecera definitivamente, havia críticas ao pensamento liberal, observado com reticências não apenas por quem crescera sob a tutela de Estados controladores e questionava o mercado autorregulável. A crescente participação do Estado na economia a partir da crise financeira de 2008 levou os historiadores Flavio Limoncic e Francisco Carlos Palomanes Martinho a organizar “Os Intelectuais do Antiliberalismo – Projetos e Políticas para Outras Modernidades”, com 27 ensaios que analisam as ideias de alguns pensadores e adeptos de uma corrente político-econômica que atravessa décadas.
“A hegemonia liberal já viveu diversas crises, a última em 2008. Buscamos, então, refletir sobre as raízes da crítica ao liberalismo dentro do panorama mais amplo possível, mostrando desde o pensamento da esquerda até a direita, sem limitar o campo de atuação dos que eram contrários àquela corrente. Montamos um painel bastante diversificado de onde estavam as matrizes para a intervenção dos governos na Europa e na América Latina”, explica Limoncic.
A reação antiliberal foi diferente em muitos países. “No Brasil, é difundida a noção de que só existiram, praticamente, o nazismo de Hitler e o fascismo de Mussolini, quando essas ideias se desenvolveram de maneira diferente, de acordo com as características de cada lugar”, observa Martinho. Além de artigos sobre o franquismo espanhol e o salazarismo, fala-se também da inspiração antiliberal na América Latina, do México ao Uruguai.
“Nossa tendência é de considerar Getúlio Vargas fascista, assim como Salazar em Portugal e Franco, na Espanha”, diz Martinho. “Mas existem diferenças nítidas, originadas de experiências muito específicas. A guerra é o elemento determinante para a adoção de políticas centralizadoras, voltadas para a produção de armamentos e alimentos.”
Tais peculiaridades impediriam a difusão de uma metodologia autoritária, como demonstra o artigo da socióloga Helena Bomeny sobre as tentativas de se implantar uma organização de jovens brasileiros – nos moldes dos grupos criados na Alemanha e na Itália. Os esforços do ministro da Justiça de Getúlio Vargas, Francisco Campos, nessa direção esbarraram nas negativas de seus próprios colegas de gabinete.
“O que podemos perceber é que nem todo antiliberalismo é fascismo. A corrente é mais rica, mais complexa do que a generalização. Portugal e Espanha, que estavam ao lado da Alemanha e da Itália, compartilharam de um pensamento antiliberal que tinha apoio de um catolicismo autoritário, intervencionista. Aqui, foi diferente. A guerra era vivida a distância”, explica Martinho, que assina o capítulo sobre Marcello Caetano, último primeiro-ministro do regime ditatorial português.
Alguns dos intelectuais cujo pensamento é analisado no livro não são apenas referências no campo social ou econômico, mas os responsáveis pela implantação de uma nova ordem política, como Lênin, na União Soviética, e Marcello Caetano, em Portugal. Um nome que a muitos parecerá surpreendente é o de Fernando Pessoa. Se fingidor e criador de múltiplas personas enquanto poeta, o cidadão Pessoa expunha claramente sua admiração por Sidônio Pais, que chefiou uma breve ditadura portuguesa de 1917 a 1918.
O maior poeta português do século XX é apresentado como um “apóstolo do ‘nacionalismo místico’ e do autoritarismo” pelo historiador António Costa Pinto, da Universidade de Lisboa. O profundo interesse de Pessoa em teoria econômica e seu conhecimento prático sobre mecanismos de mercado, algo raro entre literatos, o levaram a considerar o capitalismo um dos pilares da civilização, observa Costa Pinto, . para quem os especialistas tendem a moderar as posições ideológicas do escritor, em vez de verificar a diversidade de suas posições e assinalar as motivações políticas de sua obra.
“Esta talvez seja a abordagem mais original do livro. Aquele escritor prestigiadíssimo pertencia informalmente a um grupo de tendências antiliberais que se reunia no restaurante A Brasileira do Chiador, em Lisboa. Sua postura antiliberal era conhecida, embora permaneça ainda pouco estudada”, diz Martinho.

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