2.10.09

Valor Econômico - Artes

Artes: Banco do Brasil celebra aniversário do seu primeiro espaço multicultural, que revitalizou uma área antes degradada.

20 anos de cultura no centro




Fachada do Centro Cultural Banco do Brasil no Rio: suas atividades em todo o território nacional, incluindo o programa itinerante, que leva eventos a diversos Estados, já atraíram mais de 36 milhões de pessoas

Há 20 anos, caminhar fora do horário comercial pelas ruas próximas à Igreja da Candelária, no centro do Rio, era, no mínimo, uma temeridade. Nos fins de semana, o lugar permanecia deserto, conferindo um aspecto de cidade fantasma ao rico patrimônio arquitetônico local. O cenário começou a se modificar em outubro de 1989, com a inauguração do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Duas décadas, duas outras unidades - em São Paulo e em Brasília - e mais de 2 mil eventos depois, a criação do espaço multicultural e a forma de escolher os projetos para ocupá-lo por seleção pública rendem aplausos de produtores culturais, curadores e artistas. A eles se somam o entusiasmo de quem investiu nos imóveis do revitalizado centro histórico do Rio, uma região que hoje fervilha com instituições culturais, restaurantes, galerias de arte, sedes de grupos teatrais e até um bloco carnavalesco.

"O CCBB foi, indiscutivelmente, importantíssimo para a recuperação daquela área, que permaneceu abandonada por um longo período, e também para a mudança no comportamento do carioca, que, a partir da abertura do Centro Cultural, reconquistou o centro", afirma o arquiteto Augusto Ivan de Freitas, que coordenou, dentro da prefeitura carioca, o projeto do Corredor Cultural do Rio, que compreende 1 milhão de metros quadrados, abrangendo 3 mil imóveis preservados, entre eles o casario da área entre o CCBB e a praça 15.

Com o aproveitamento do prédio centenário na esquina da rua 1º de Março com a praça da Candelária, onde funcionava uma agência do Banco do Brasil, também se pretendia proteger o acervo da própria instituição, que ali mantinha uma biblioteca e um museu de numismática. "Sempre houve uma preocupação com o resgate da vizinhança", diz o diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil, Dan Conrado. Freitas confirma: "O banco pediu orientação para a reforma do edifício e, sem que houvesse nenhuma exigência da prefeitura, apresentou um projeto urbanístico para recuperar o calçamento, a iluminação e criar um jardim em frente do edifício".



Paola instalou sua Galeria Progetti na região: "Queria aproveitar o vaivém do público, que, geralmente, tem como destino o CCBB"

A nova ordenação do centro histórico do Rio foi gradual. Restaurantes sofisticados que vêm ocupando velhos casarões já são abertos nos fins de semana para receber o público que se desloca entre o CCBB, a Casa França-Brasil, o Centro Cultural dos Correios, o Museu da Marinha e o Paço Imperial. É uma revitalização que ocorre em metrópoles do mundo inteiro, lembra a italiana Paola Colacurcio, que há um ano comprou um sobrado na travessa do Comércio para instalar a Galeria Progetti. "Eu queria algo na parte mais fascinante desta cidade e queria aproveitar o vaivém do público, que, geralmente, tem como primeiro destino o CCBB."

Adquirir um imóvel na região está se tornando cada vez mais difícil. "Quem tem qualquer coisa ali não quer vender nem alugar, está aguardando a valorização", diz Rogério Quintanilha, gerente da administradora imobiliária Apsa. Durante a semana, os bares e restaurantes recebem quem trabalha no centro para shows musicais e happy hours. Nos fins de semana, a área é tomada pelo público das atividades culturais capitaneadas pelo CCBB, afirma Luiz Antônio Rodrigues, presidente do Pólo Histórico, Cultural e Gastronômico Praça XV, associação criada há dois anos, que reúne 27 empresas. "O CCBB é uma das âncoras do movimento ali", diz Rodrigues, dono da Brasserie Rosário.

A interação entre públicos distintos para eventos gratuitos ou com ingressos a preços baixos garante uma ocupação constante e crescente do CCBB, que em seu primeiro ano teve 100 mil visitantes. O número passou para 320 mil em 1990 e 1,3 milhão em 1991. Nos últimos 20 anos, as atividades do CCBB em todo o território nacional, incluindo o programa itinerante, que leva eventos a diversos Estados, atraíram mais de 36 milhões de pessoas - público que deverá aumentar com a abertura da unidade de Belo Horizonte, na praça da Liberdade, em 2011.

"Existe demanda de público para o crescimento do CCBB. A exposição de trabalhos do Aleijadinho, em 2006, no Rio, recebeu 1 milhão de visitantes, 11 mil por dia. O retorno, para o Banco do Brasil, vai além da fixação da marca. Demonstra o interesse do banco em valorizar a cultura brasileira, sim, mas também a importância de desenvolver projetos de arte e educação, promover a formação de plateias e abrir espaço para novas linguagens artísticas", diz Conrado.

Os investimentos na programação têm acompanhado o crescimento do público, mesmo em tempos de crise. Em 2008, os projetos nas três unidades custaram R$ 37 milhões, enquanto neste ano chegaram a R$ 41 milhões.

Construído em 1889, o prédio de 17 mil metros quadrados do CCBB, que foi sede do Banco do Brasil até 1960, atualmente abriga três teatros, uma sala de cinema, biblioteca, videoteca e 14 salas de exposição. As comemorações de aniversário - cujo ponto alto será um show de Paulinho da Viola - se estenderão, entre os dias 10 e 12, com apresentações teatrais pelas ruas vizinhas e no Centro Cultural dos Correios. "Somos parceiros dessa festa. Afinal, estamos aqui porque o CCBB foi o grande artífice da revitalização desta região e deu o passo inicial para a criação de centros culturais", afirma a diretora do Centro Cultural dos Correios, Marcelle Pitton. Entre os presentes para o público estão a inauguração de uma nova sala de cinema, melhores instalações para a videoteca, com seis salas para exibição de fitas de vídeo, além de um ônibus que vai buscar moradores de áreas distantes do centro para visitas agendadas.

Mais que tornar-se referência por ter no currículo um projeto aprovado pelo CCBB, o encontro com públicos heterogêneos é o principal atrativo desse centro para quem trabalha com cultura. O cravista Marcelo Fagerlande encenou óperas barrocas com lotações esgotadas durante temporadas inteiras. "O ingresso barato democratiza arte que não é popular. Muita gente me procurava no fim de espetáculo, demonstrando alegria pela descoberta de um tipo diferente de música."

Com mais de dez projetos patrocinados pelo CCBB, o músico Luís Felipe de Lima destaca a diversidade de propostas apresentadas. "O nome se sedimenta quando temos trabalhos no CCBB, que estimula um rodízio natural de artistas e intercâmbio de formas de expressão."

A atriz Beth Goulart, que terminou no domingo, no CCBB carioca, um espetáculo em que interpretava Clarice Lispector, é uma admiradora da seleção criteriosa de projetos pela instituição. "É uma oportunidade para o artista encontrar-se com públicos distintos, em todo o país, graças aos preços acessíveis."

Para Ana Teixeira, diretora do grupo de teatro Amok, o CCBB criou um novo público por não obedecer às leis de mercado. "Não é uma simples produção de espetáculo, é pensar a cultura."

O crítico de arte Fábio Magalhães, curador da mostra "Aleijadinho e Seu Tempo", destaca a educação em arte, a partir dos eventos ali realizados, como a principal contribuição do CCBB. "Ninguém se limita a assistir a um espetáculo ou a entrar em uma sala de exposições." Quer dizer, criam-se oportunidades para o começo de um possível trajeto.



Frederico Monier, chef e sócio da Brasserie Rosário: nos fins de semana, os bares e restaurantes da região são tomados pelo público das atividades culturais

Quando deixou a presidência do BNDES em 2002, o economista Carlos Lessa iniciou a reforma de dois sobrados geminados, na rua do Rosário, no centro do Rio. Os imóveis, centenários, pertenciam à família de Lessa e corriam o risco de desabar. "A situação era deplorável, porém jamais havíamos mexido neles temendo uma desapropriação."

A obra estava acabando e Lessa se interessou pela "parede vizinha", um terreno praticamente vazio, onde subsistia apenas parte da construção. Mal se instalaram nos imóveis recuperados a livraria Al-Farabi e o restaurante Brasserie Rosário, Lessa começou a indenizar 11 invasores de outro casarão no mesmo quarteirão. "Peguei gosto", diz ele, que já expandiu suas reformas de prédios antigos para outros bairros.

Apaixonado pelo Rio, o carioca Lessa recusa o título de pioneiro na revitalização do centro. Aponta o músico Marcos Rezende como o empresário de coragem e visão, por abrir o restaurante Cais do Oriente na rua Visconde de Itaboraí, atrás do Centro Cultural Banco do Brasil. "Cheguei depois", explica Lessa, que só não comprou o último sobrado do quarteirão porque, além de indenizações a invasores, o imóvel tem dívidas com concessionárias de serviços. "Na rua do Rosário, restauramos cinco casas e vimos aquela região tomar vida, levar as mesas para as ruas, tornar-se um ambiente festivo. O mais estimulante é constatar quanto essas intervenções contribuem para melhorar a qualidade de vida da cidade."

Recuperar imóveis em áreas de preservação arquitetônica é caro e complicado, mas vale a pena, afirma Lessa, que tem na mulher, Marta, a parceira perfeita no entusiasmo pelas empreitadas. "Não pretendemos vender nada, fazemos as obras sem a menor pressa. É um bom investimento até para quem quer viver de aluguel", acredita ele, que atualmente acompanha a reforma de um casarão no bairro do Catete, o nono imóvel que restaura. (OM)

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