24.1.08

Valor Econômico - Mercado Editorial


Os próximos capítulos das publicações
Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio
25/01/2008



Quem será o novo "Harry Potter", pronto a converter jogadores de videogames em leitores? Qual enigma substituirá o "Código Da Vinci" com mistérios intrigantes para enredar um público ávido por aventuras? Investindo nos temas decorrentes das celebrações históricas e nas biografias de personagens cuja fama beira a lenda, como o mago Paulo Coelho, as editoras brasileiras já se lançaram em busca dos best sellers de 2008, na ressaca do início do ocaso dos dois maiores fenômenos editoriais dos últimos anos.


A chegada da família real portuguesa ao Brasil, o centenário de morte de Machado de Assis, 40 anos das manifestações de maio de 1968, o cotidiano das populações sob guerra, a vida de povos não europeus nem americanos e a literatura que eles produzem são as temáticas que norteiam o mercado - que comemora um crescimento de 15% nas vendas dos últimos meses de 2007 - impulsionadas pelo lançamento, em novembro, de "Harry Potter e as Relíquias da Morte", de J.K. Rowling (Rocco), com mais de 500 mil cópias vendidas.


Folha Imagem

Lya Luft: algumas editoras investirão em tiragens muito acima do habitual para o padrão brasileiro. É o caso de "O Silêncio dos Amantes", o retorno da escritora à ficção, que a Record lança com tiragem inicial de 40 mil cópias
Análises sobre o choque cultural dos aristocratas portugueses ao aportarem nos trópicos e a transformação da colônia provinciana em nação já estão na pauta das editoras há meses. A Planeta saiu na frente, com "1808", de Laurentino Gomes, seguida pela Alfaguara, que lançou "Era no Tempo do Rei", romance histórico de Ruy Castro.


No primeiro semestre chegam ao mercado o "Dicionário Joanino" (Objetiva), elaborado por uma equipe de historiadores coordenada por Ronaldo Vainfas. Pela Companhia das Letras, Lilia Moritz Schwarcz lança "O Sol do Brasil", em que se detém sobre os artistas da Missão Francesa. Já a Record traz uma biografia de d. João VI, de Lúcia Bastos, e "Versalhes Tropical", de Kirsten Schultz, que, segundo a gerente-editorial Luciana Villas-Boas, explica as raízes da civilização brasileira pela subversão das relações hierárquicas dos nobres que se fixaram no Rio.


A Zahar terá uma coletânea de ensaios organizados pelo historiador inglês Kenneth Light, além de, no segundo semestre, lançar "A Cozinha Imperial", de Ana Roldão, especialista em gastronomia do século XIX, que pesquisou a culinária que a corte portuguesa deixou no Brasil.


Multiculturalismo


A leva de livros de escritores radicados na Europa ou nos Estados Unidos que retratam os encontros de diferentes culturas deve continuar forte em 2008. Só a Nova Fronteira tem quatro títulos confirmados para este ano. Com tiragem inicial de 100 mil exemplares, "A Doçura de Todos Nós", de Thrity Umrigar, faz o caminho inverso, mostrando os conflitos de uma viúva indiana levada a morar nos Estados Unidos com a família do filho.


Já no mês que vem chega às livrarias "Quando o Crocodilo Engole o Sol", memórias do jornalista Peter Godwin, que volta ao Zimbábue, onde foi criado, para visitar a família. Ainda no primeiro semestre, sai o primeiro romance do etíope Dinaw Mengestu, que trata da adaptação de imigrantes nos Estados Unidos na década de 1970. "A Pequena Ilha", ficção da inglesa Andrea Levi, fala dos jamaicanos que foram para a Inglaterra depois da Segunda Guerra Mundial. "Esses conflitos culturais, um problema causado pela globalização, são curiosos e têm leitores cativos", afirma o diretor-superintendente da Nova Fronteira, Mauro Palermo.


Os relatos sobre experiências em guerras recentes também continuam merecendo destaque das editoras. Pela Rocco saem dois relatos sobre a guerra no Sudão: "War Child", do rapper Emmanuel Jal, que passou sete anos como menino-soldado, e "The Translator", de Daoud Hari, que trabalhou como tradutor para jornalistas em seu país.


Um dos principais lançamentos da Record será "Filhos de Grozny", da norueguesa Asne Seierstad, a autora de "O Livreiro de Cabul", sobre crianças órfãs na guerra da Chechênia. Ainda no primeiro semestre, a Record mostra a opressão da vida rural na China com "O Segredo Chinês", de Chen Guidi e Wu Chuntao.


Machado e 1968


O centenário de morte de Machado de Assis faz surgir um bom número de estudos e até de exercícios de redação sobre sua obra. Além de publicar sua obra poética completa, a Record lança "Recontando Machado", com 13 novas versões de seus contos, assinadas por autores de renome. Pela editora sai também o "Almanaque Machado de Assis", de Luiz Antonio Aguiar, com curiosidades, biografia e um guia para leitura. A Zahar lança "A Cartomante" em quadrinhos, enquanto a Rocco trará uma coletânea de contos voltada para o público jovem, além de um estudo sobre filosofia na obra machadiana. A Nova Fronteira também terá uma coletânea de Machado.


"1968 - O Ano Que não Terminou", de Zuenir Ventura, será relançado pela Planeta. "Ele está acabando um balanço com os personagens e acontecimentos nestes últimos 40. Os dois livros serão vendidos juntos, em uma caixinha", conta o diretor-editorial da Planeta, Pascoal Soto. Os jornalistas Ernesto Soto e Regina Zappa também se debruçam sobre o movimento em um livro que a Zahar lançará em abril, com depoimentos, curiosidades e um passo-a-passo sobre os acontecimentos no Brasil e no mundo naquele período.


Perfis em mudança


O entusiasmo com os resultados dos últimos meses leva algumas editoras a investir pesadamente em lançamentos com tiragens bem acima das habituais no Brasil - que, geralmente, não chegam a 10 mil exemplares por edição. É o caso de "O Silêncio dos Amantes", o retorno de Lya Luft à ficção, que a Record lança com tiragem inicial de 40 mil cópias.


Depois de fechar 2007 com um milhão de exemplares de "O Segredo" vendidos, o grupo Ediouro promete lançar, em média, 48 novos títulos ao mês, consolidando a segunda posição no mercado, atrás apenas do grupo Record, que apresenta em torno de 72 lançamentos mensais.


Com novo perfil administrativo e editorial, a principal mudança fica por conta da Agir, que tinha uma linha até então voltada, preferencialmente, para a literatura brasileira. Agora, ela passa a lançar livros de diferentes gêneros, como o novo romance de Irvin D. Yalom, autor de "Quando Nietzsche Chorou" (270 mil exemplares vendidos no Brasil), cuja tiragem inicial será de 30 mil exemplares. "Cartas à Minha Mãe", de Mélanie e Lorenzo Delloye, filhos de Ingrid Bettancourt, seqüestrada há seis anos por guerrilheiros colombianos, terá primeira edição de 50 mil cópias.


Essa também será a tiragem de "The Last Lecture" ("A Última Palestra"), de Randy Pausch, que promete ser um dos best sellers do ano. Doente terminal de câncer, o professor universitário Pausch ficou conhecido nos Estados Unidos ao fazer um balanço de sua vida e falar sobre a proximidade da morte, em setembro. A palestra teve mais de seis milhões de acessos na internet e os direitos de publicação do livro que Pausch está escrevendo foram comprados por mais de U$ 7 milhões pela Hiperion, a editora do Grupo Disney.


"São livros com relatos fortes, emocionais, de grande apelo e mensagens motivadoras, visando a atingir a um público mais abrangente", diz André Castro, diretor-executivo de Livros do Grupo Ediouro.


Outra editora tradicionalmente dedicada à literatura brasileira, a José Olympio, do grupo Record, também se abre cada vez mais para a ficção estrangeira, em particular a americana. Neste ano, entre as novidades está uma tradução de Clarice Lispector para a peça "The Little Foxes", de Lilian Hellman, que terá toda sua obra reeditada pela José Olympio. "A Balada do Café Triste", de Carson McCullers, "A Comédia Humana", de William Styron, e "O Vinho da Juventude", de John Fante, também serão relançados pela editora, que trará na coleção "Sabor Literário" textos inéditos no Brasil de Arthur Miller e Gore Vidal.


Ainda desconhecidos do público brasileiro, chegam "O Egiptólogo", de Arthur Phillips, e "A Biblioteca do Geógrafo", de Jon Fasman, "um Dan Brown erudito, que combina aventura com filosofia", segundo a editora Maria Amélia Mello: "Eles têm densidade e sabem montar narrativas empolgantes, mesclando aventuras e mistérios."


Os autores nacionais continuam privilegiados pela José Olympio, com a edição das obras completas de José Cândido de Carvalho, Aníbal Machado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz. Em destaque também estão duas antologias, uma de poemas de Manuel Bandeira em edição voltada para jovens e outra coletânea dos poetas Paulo Leminski, Ana Cristina César, Torquato Neto e Wally Salomão. Ainda na área da poesia, há a promessa de um novo livro de Ferreira Gullar: "Ele prometeu que este ano entrega seu novo livro", revela Maria Amélia Mello, que anuncia a publicação também dos romances históricos de João Felício dos Santos e do estudo sobre Machado de Assis assinado por Augusto Meyer, fora de catálogo há mais de 50 anos.


Conquistando cada vez mais leitores, o segmento de auto-ajuda é incorporado por editoras que criam selos para abrigá-lo. A Objetiva promete para este semestre um novo selo dedicado exclusivamente a comportamento, psicologia, saúde e auto-ajuda, assim como alguns títulos relativos a vida profissional e carreira. "Já temos cerca de uma dúzia de títulos prontos, marca e logomarca definidos, só faltam alguns pequenos detalhes para o projeto decolar", informa o editor Roberto Feith.


Já a Nova Fronteira acaba de criar o selo Sem Fronteiras, que já traz títulos como "De volta ao Mercado: Reaprendendo a Namorar depois da Separação" e "Não: Por Que as Crianças de Todas as Idades Precisam de Limites".

É cedo para festejar reaquecimento


Apesar dos bons resultados apresentados pelo mercado, há quem considere prematuro festejar o reaquecimento do setor. "Houve uma melhora generalizada no mercado, porém o livro ainda é visto como supérfluo no Brasil", afirma o vice-presidente da editora Campus/Elsevier, Henrique Farinha, observando que o segmento de livros técnicos retomou níveis que não eram alcançados desde 1995.


Ele reconhece os avanços na distribuição da produção por todo o país, além da abertura de novas livrarias e a chegada dos livros a pontos-de-venda dos quais eram mantidos a distância, como supermercados e lojas de departamentos populares.


"Sem sombra de dúvida o cenário melhorou muito, mas ainda não aconteceu uma explosão de vendas. Estamos recuperando um ritmo perdido', pondera. Em 2008, a Campus, que tem uma média de 260 lançamentos por ano, vai aumentar o catálogo de títulos jurídicos e de medicina, enquanto aguarda o novo grande tema na área de negócios: "O segmento é diluído tematicamente. Não existe um assunto novo. Vamos continuar com nossos lançamentos em finanças pessoais, o setor que mais cresceu nos últimos três anos, quando dobramos nosso catálogo", informa Farinha.


Mesmo navegando na maré contrária ao mercado, Marcos Pereira, editor da Sextante, que registrou uma queda de 8% no faturamento em 2007, não perde o otimismo. "Tivemos dois anos excepcionais, com 2,5 milhões de volumes vendidos de 'O Código Da Vinci' no Brasil. 2007 foi o ano de 'Lei da Atração' e de 'O Segredo'. Isso é cíclico", acredita o editor, que pretende investir cada vez mais no segmento de negócios, tendo recentemente fechado o lançamento pela Sextante de "O Segredo de Luísa", livro de Fernando Dolabela que já vendeu mais de 150 mil exemplares. "Ele foi lançado por editoras pequenas e acabou sendo incluído na bibliografia recomendada em MBAs de Administração", conta Pereira, que continuará investindo em títulos motivacionais. "Vamos trabalhar mais com ficção a partir de 2009."


A Intrínseca, que aumentou seu faturamento em mais de 800% em 2007 graças ao sucesso de "A Menina Que Roubava Livros", de Markus Zusak, continua apostando em títulos que agradam ao público de jovens adultos. Em março sai o primeiro volume da série sobre vampiros da americana Stephenie Meyer, cujo último livro vendeu 250 mil exemplares no primeiro dia em que chegou às livrarias. "Atualmente, ela é a grande esperança do mercado editorial, órfão de Harry Potter", informa o editor Jorge Oaquim. Neste início de ano, a Intrínseca lança "A Exceção", do dinamarquês Christian Jungersen, que aborda um caso de assédio moral dentro de uma ONG humanitária. (OM)

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