24.3.13

Valor Econômico - Artes Plásticas


Exposição de videoarte brasileira abre galeria

Por Olga de Mello | Para o Valor, do Rio
Divulgação
'Povo na Praia' (2008), de Tadeu Jungle, que está na mostra 'Videoarte 2013'
A arte que rompe limites físicos, espalhando-se pelo universo virtual e interferindo no espaço público, retoma seu lugar, interna e externamente, sob ou sobre as paredes de um edifício. Essa pode ser uma das reflexões levantadas pela exposição "Videoarte 2013", que reúne trabalhos de 13 artistas brasileiros a partir deste sábado e inaugura nova galeria do Oi Futuro Ipanema, cuja fachada será recoberta por projeções de imagens.
"O papel da instituição hoje é o de pensar junto com a cidade, abrindo-se para o que está acontecendo no exterior, em vez de manter-se fechada em conhecimentos distantes do público", diz o curador de artes visuais do Oi Futuro, Alberto Saraiva, que selecionou os "pequenos poemas visuais" ao longo de um ano.
Os vídeos enfocam diferentes temas. Alguns incitam à reflexão serena, como a calcinha que tremula frente a um secador de mãos em "Panty", de Maria Lynch, ou uma caixa de sapatos que guarda recordações da infância e adolescência do homem que a abre em "O Relicário", de Alessandro Sartore. Outros lembram o atordoamento provocado pelo caos urbano, como o exuberante jogo de cores que cobre os ônibus na orla carioca, apresentado por Marcos Chaves em "Cópia/Colares". Há ainda filmes protagonizados pelos artistas, consagrando uma tendência prevista por um dos pioneiros da videoarte, o coreano Nam June Paik (1932 - 2006), que, na década de 1960, acreditava que no futuro cada pessoa seria "seu próprio filme".
"Paik foi quem chamou a atenção da crítica para a videoarte pela consistência de suas propostas. Não existia uma rede que dominasse a vida de todos ainda, mas ele anteviu a tendência da autoexposição e do diálogo interativo que, atualmente, travamos pela internet", diz Saraiva. "O vídeo se tornou um dos principais eixos de comunicação contemporâneos. Até os anos 90, havia artistas trabalhando especificamente com vídeo. Hoje, o vídeo está de tal maneira integrado ao cotidiano da sociedade que os artistas o incorporaram, interessados na possibilidade da mensagem direta, instantânea, que ele oferece."
Divulgação / Divulgação
'Estudo para Facadas', de Lenora de Barros, artista que também exibe 'Mão Dupla' na área externa da galeria
Entre os que protagonizam os próprios vídeos está Jozias Benedicto, que narra duas histórias sobre mulheres. Na primeira delas, a protagonista percebe que não há uma só foto de sua infância na casa da família. A outra história fala da reação de uma jovem contra o abuso sexual sofrido desde criança. A leitura dos dois textos pelo autor, que olha diretamente para a câmera, com o mínimo de inflexões vocais, pretende chamar a atenção para a narrativa. "O espectador é quase um leitor, formando imagens em sua mente, sem minha interferência enquanto narrador, experimentando um certo recolhimento, pois ouve as histórias com fones de ouvido. A imagem do narrador é mais envolvente do que as palavras apresentadas em papel", diz Benedicto.
A intermediação de instituições culturais como espaço de encontro entre artistas e público - principalmente após o advento da internet - é um dos questionamentos do setor. Quebrando a barreira do espaço fechado, a mostra apresentará na fachada do Oi Futuro de Ipanema obras planejadas para grandes áreas externas, entre elas "Fôlego", de Ricardo Carioba, e "Mão Dupla", de Lenora de Barros. Enquanto o trabalho de Carioba tem cores fortes sobre letras, o de Lenora apresenta mãos que deslizam sobre a superfície da projeção.
"A arte não pode ficar circunscrita aos espaços de exposição tradicionais e precisa sentir como a cidade funciona para ajudar a transformá-la", afirma Saraiva. "A arte pública é um trabalho pensado na dimensão da cidade, que passa, então, a pensar as necessidades de apropriação dos espaços onde a obra está exposta, fomentando até intervenções para melhorar, se preciso, esses lugares. Isso também é proposto nesta coletânea, que junta trabalhos que refletem o pensamento artístico desde os anos 1960 até hoje, na organização das ideias que desconstruíram conceitos fechados sobre estética."
A videoarte também chega ao Oi Futuro Flamengo, na segunda-feira, dentro da exposição "Re-Subtrações", com três séries de trabalhos de Paulo Climachauska, que utiliza sistemas numéricos para discutir a ordenação e regulação do mundo.
Para Alberto Saraiva, curador da mostra, Climachauska se opõe ao "processo do acúmulo, uma norma do capitalismo". Nessa lógica, o artista questiona a competição usando jogos como o pega-varetas, e discute máximas, como "tempo é dinheiro", com um relógio que não marca as horas. Além de vídeos inéditos, há escultura em granito negro, representando relógio de sol invertido, 14 painéis em preto e branco que formam imagens da sombra de um ponteiro de relógio de sol, uma instalação com 28 varetas gigantes em alumínio e seis aquarelas.

"Videoarte 2013"

Oi Futuro Ipanema (r. Visconde de Pirajá, 54, Ipanema, RJ). Tel. (21) 3131-9333. Abertura: 12/1. De ter. a dom., 13h às 21h. Entrada franca.

"Re-Subtrações - Paulo Climachauska"

Oi Futuro Flamengo (r. Dois de Dezembro, 63, Flamengo, RJ). Tel. (21) 3131-3060. Abertura: 14/1, às 19h. De ter. a dom., das 11h às 20h. Entrada franca.


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Valor Econômico - Livros



Parece brincadeira, mas é a realidade com outras cores


Por Olga de Mello | Para o Valor, do Rio

Uma dose de irreverência temperada com personagens fictícios ou reais, políticos e ainda artistas pode ajudar a traduzir a dureza dos temas econômicos para leitores que se interessam pelo assunto, mesmo sem dominar o jargão técnico do setor. Foi pensando nesse público leigo que o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, compilou observações sobre episódios diferentes e as reações - quase sempre semelhantes - de quem decide e movimenta os caminhos da economia brasileira. As anotações, coletadas ao longo de quatro décadas, estão em "As Leis Secretas da Economia - Revisitando Roberto Campos e as Leis do Kafka".
A inspiração para o livro veio de um artigo dos economistas Roberto Campos e Alexandre Kafka, publicado, em 1961, na revista "Senhor". Os autores afirmavam, então, que a economia brasileira não obedecia a nenhuma das leis conhecidas, cabendo, portanto, investigar as normas secretas que a regiam. Algumas das dez leis estabelecidas por Campos e Kafka, que retomaram o tema em outras publicações, não integram o livro de Franco, já que alguns dos tópicos perderam a atualidade.
"Muito do que eles abordaram ficou datado. Na época da hiperinflação, ninguém se indignava com aumentos de 5%. Hoje, esses percentuais são preocupantes. Há situações que simplesmente deixaram de existir. Ainda se discute privatização no país, a inflação permanece incômoda, porém o enfoque é outro", observa Franco.
Se a vida mudou nos últimos 50 anos, há situações que se mantêm praticamente imutáveis, como a descrita pela Lei do Kafka nº 10 - Da Conservação do Ente Burocrático. A ementa define: "O ente burocrático é indestrutível, ou o instrumento é mais importante do que os objetivos, ou o fim serve aos meios. Parágrafo único: Toda vez que dois órgãos públicos precisarem examinar o mesmo processo em separado, nenhuma decisão será tomada. E quando se tornar imperativa uma decisão consensual e negociada, ela terá o condão de manter tudo exatamente como sempre foi".
Outra lei de Kafka que permanece atual é a nº 9, que trata da transferência da culpa, e diz que "é menos importante encontrar soluções do que ter bodes expiatórios".
Há ainda observações do próprio Franco que desafiam a passagem do tempo, como a Segunda Lei das Fusões Bancárias, pela qual em toda fusão de banco apoiada pelo Banco Central ao menos um dos "nubentes" está quebrado.
O tom informal e profundamente ácido do texto segue o estilo empregado por Campos e Kafka. "É irônico, porém, não fiz brincadeiras superficiais. Todas as leis existem e têm respaldo em teses econômicas comprovadas, como aponto na bibliografia", diz Franco.
As dez leis originais se estenderam a 74, que, agrupadas em capítulos que tratam de finanças públicas, mercado, bancos, globalização e câmbio, entre outros temas, apresentam o panorama da vida econômica brasileira nas últimas décadas. Não houve uma ordem de valores nem de cronologia, apenas a intenção de criar um panorama que ajuda a compreensão da economia por leitores que estão distantes da angústia que o tema já provocou, quando a busca por informações era no afã de encontrar "respostas para sobreviver", diz Franco. Esse novo leitor, que tem, segundo o economista, uma visão mais positiva da economia, combina com uma tendência na literatura econômica acentuada a partir de 2008.
"A crise mundial levou a uma profusão de documentários e livros explicando a história financeira em termos abrangentes, de fácil compreensão para a maioria do público. Incluí ilustrações no texto que, além de trazer leveza ao volume, também têm a intenção de cativar o público não habitual de economia, sem abrir mão, no entanto, do pensamento econômico sólido", explica Franco.
A crítica à linguagem dura e, por vezes, vazia dos economistas e acadêmicos, está em diversos trechos do livro, como o pequeno glossário do "Teorema do Esquimó", que determina que "o número de palavras incompreensíveis, em economês, de índices de inflação e de pessoas envolvidas com o assunto, é proporcional ao quadrado do índice da inflação".
Referências à cultura pop mais recente, utilizando personagens de séries televisivas, como o médico Gregory House, ou de cinema - "Forrest Gump" e "Kagemusha" - para dar nome a leis, teoremas ou axiomas, juntam-se a citações tiradas de obras dos escritores favoritos do autor, entre eles William Shakespeare, Ernest Hemingway, Carlos Drummond de Andrade e Mario Vargas Llosa, exemplificando ou esclarecendo as estranhas normas que regem o Brasil, não apenas no campo econômico. As reformas sociais empreendidas por Mikhail Gorbachev e o romance "O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway, são unidos no Teorema de Hemingway-Gorbachev, que prevê o desgaste progressivo e irreversível dos governantes reformadores, que acumularão inimigos até entre os beneficiários de suas iniciativas, "incapazes de perceber que a melhoria de seu padrão de vida se deve aos reformistas".

"As Leis Secretas da Economia - Revisitando Roberto Campos e as Leis do Kafka"

Gustavo H. B. Franco. Editora: Zahar. 216 págs., R$ 39,90

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Valor Econômico - Literatura


A vida é um livro aberto





Por Olga de Mello | Para o Valor, do Rio
Dois romances e um ensaio já iniciados aguardam o retorno de Alberto Manguel à sua casa, em Poitiers, na França. Nas últimas semanas, o escritor e ensaísta compareceu a eventos literários no Chile, na Inglaterra e na Itália até chegar ao Brasil, onde veio abrir a 7ª Bienal do Livro de Campos dos Goytacazes, no norte do Estado do Rio. "Os escritores se transformaram em caixeiros-viajantes que ganham a vida em leituras e palestras. Isso acaba prejudicando o trabalho de quem precisa escrever", lamentou Manguel, em entrevista ao Valor, no Rio, onde, na noite anterior, esbanjava simpatia no encontro com cerca de cem leitores na pequena Biblioteca Popular de Botafogo.

As viagens abalam a rotina deste argentino naturalizado canadense, que gosta de ler Dante Alighieri diariamente e escrever durante as manhãs. Por falta de tempo, recusa boa parte dos convites que recebe. A princípio, rejeita qualquer atividade de promoção de livros nos Estados Unidos.
"As 'book tours' começaram no século XIX. Era um acontecimento na vida de escritores como Charles Dickens. Mas eles participavam de uma, no máximo duas, dessas viagens. No século XX, elas tomaram um vulto empresarial nos Estados Unidos, onde, atualmente, os agentes literários e as editoras montam sessões contínuas com diferentes escritores se apresentando ao público em grandes livrarias. Não faço mais isso. Hoje, quem quiser ver e ouvir um escritor entra no YouTube", diz.
Em sua 30ª vinda ao Brasil - sempre a trabalho -, atendeu ao chamado para falar sobre a leitura como patrimônio pessoal na era das virtualidades. "Essa profusão de festas literárias em diversos lugares é excelente para os leitores e uma oportunidade para os escritores trocarem ideias, pois, cumprindo agendas lotadas, mal podem se ver", observa Manguel, que aproveitou o festival L'Altra Metà del Libro, que organizou há duas semanas, em Gênova, para se reencontrar com amigos, como os romancistas Ian McEwan e Daniel Pennac. Nos próximos dias, já tem outro compromisso em Paris. E no ano que vem coordenará outro festival, na cidade francesa de Nantes.
O calendário apertado não o convenceu a adotar comodidades como celular e e-mail, embora escreva em computador. Quando viaja, dita os artigos a um digitador, que os envia para quem o contrata. Reconhece a utilidade da tecnologia, mas prefere permanecer distante de algumas facilidades, evitando a leitura em ambientes virtuais.
"Meu filho assiste a filmes numa tela do tamanho de um selo. Eu não consigo. O e-reader é prático para o leitor que vive em trânsito, que não precisa carregar peso na bagagem, mas eu gosto do contato com o livro sólido, físico. A experiência de ler no papel é totalmente diferente da leitura na internet, que acaba dispersando o leitor", diz Manguel, que cultiva hábitos quase anacrônicos, como o de trocar cartas com amigos escritores. Na biblioteca que construiu em Poitiers tem cerca de 40 mil volumes, "todos abertos, nem todos lidos", organizados por temas nem sempre tão eruditos como se imagina de um dos mais reconhecidos especialistas em história da leitura e bibliofilia. Ao lado de livros sobre as lendas de Don Juan e do Judeu Errante, há muito sobre gastronomia e novelas policiais. "Só leio por prazer, o que acontece nas minhas leituras diárias de Dante e também quando pego um livro de Agatha Christie, que escrevia bem. Entretenimento não precisa ser vazio."
É com paixão de militante que ele fala contra o mercado editorial que privilegia a publicação de conteúdos medíocres. Fora do Brasil, afirma, os melhores textos têm sido lançados por editoras universitárias, enquanto as demais preferem publicar gêneros de boa vendagem, seguindo a tendência do momento.
"Uma editora deveria ter o compromisso de formar leitores. Eu me preocupo em ver que elas se tornaram cúmplices da formação não de leitores, mas de consumidores para a sociedade. Quando elas se tornam empresas gigantescas que compram editoras pequenas, estão destruindo a literatura. Seis meses antes de ganhar o Nobel de Literatura, em 2007, Doris Lessing me contou que sua última novela estava prestes a ser recusada por seus editores nos Estados Unidos e na Inglaterra, porque ela escrevia textos muito longos para ser apreciados por um público mais jovem. Isso é um desrespeito com uma escritora de 88 anos, então, com uma contribuição inestimável à literatura britânica. Aí veio o anúncio da premiação e, naturalmente, a situação mudou", lembra-se.
A incorporação de pequenas editoras e livrarias pelos gigantes do mercado também contribui para a perda de qualidade da literatura. O tratamento impessoal dispensado ao leitor nas grandes livrarias mostra o interesse em fomentar só o consumo, diz Manguel, que não se deixa levar pelo discurso de que os livros comerciais sustentam a publicação dos que têm mais qualidade. Falta espírito crítico aos leitores, afirma o escritor, que se surpreendeu com o sucesso de livros eróticos entre mulheres jovens, quando as tramas enfatizam o arquétipo das protagonistas submissas.
"Se as mulheres são 70% dos leitores, deveriam repudiar histórias que vão contra tudo o que se fez para estabelecer a posição feminina na sociedade patriarcal do Ocidente. A maior violência nesses romances não é sexual, mas o fato de impedirem as heroínas de questionar as ordens que recebem dos homens. Isso reforça o mito da inferioridade feminina em pleno século XXI, como se as mulheres não tivessem autonomia para tomar decisões plenamente. Homens e mulheres devem, juntos, como leitores, membros da sociedade, refletir sobre essa literatura que nega ao personagem o direito ao questionamento", diz.
Apesar das políticas públicas de incentivo à leitura, a sociedade desestimula os leitores, acredita Manguel: "A criança que gosta de ler é rotulada como 'nerd' pelos colegas na escola. Isso porque a leitura exercita o cérebro e vivemos uma época em que se recomenda ao jovem que evite as dificuldades, entre elas ler o que vai desafiar seu intelecto. Cada vez mais se compram livros superficiais, de textos curtos. Os leitores têm um poder que eles próprios desconhecem. Deixar de lado livros sem conteúdo forçará o mercado a procurar mais qualidade nas publicações".

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