31.5.07

Valor Econômico - Eu & Livros

Como escolher títulos e influenciar mais leitores


Por Olga de Mello, para o Valor31/05/2007




Por Olga de Mello, para o Valor


Um dia elas privilegiaram a competitividade, quebraram paradigmas, refletiram a respeito da globalização, almejaram a qualidade total, enquanto planejavam o aumento da empregabilidade utilizando a reengenharia. Hoje, a ênfase no trabalho de equipe, as preocupações sociais, a transparência de informações e os cuidados com o meio ambiente - as palavras de ordem atuais no mundo corporativo - conquistaram as capas dos livros de negócios.

Gestão de pessoas, empreendedorismo, desenvolvimento sustentável, governança corporativa, ética e responsabilidade social são algumas das expressões que deverão dominar os títulos do setor por um longo período, acreditam as editoras brasileiras, que seguem uma tendência mundial.

Em busca desse público ávido por métodos menos agressivos de conquistar o sucesso pessoal sem descuidar do benefício à coletividade, as editoras apostam em títulos que apontem as novas maneiras de obter resultados semelhantes aos preconizados pelos títulos antigos.


Um site de venda de livros pela internet aponta a supremacia de títulos sobre liderança (cerca de 500), seguidos por outros que tratam de ética profissional (332), gestão (246) e empreendedorismo (200). Há oferta de pelo menos 196 livros a respeito de desenvolvimento sustentável e de 339 sobre responsabilidade social. Qualidade total e empregabilidade somam, no mesmo site, 175 títulos.

As mudanças no setor são percebidas aos poucos, já que a vida útil de um livro de negócios, finanças pessoais e light business é longa. "O Monge e o Executivo" (Sextante, 144 págs., R$ 19,90), de James C. Hunter, lançado em 2004, vendeu 1,4 milhão de exemplares no Brasil, mas levou alguns meses até cair no gosto do público.

"O livro de ficção estoura no lançamento. O light business cresce no boca a boca. Mas o título sempre exige cautela. A tradução literal do título do 'Monge' seria 'O Servidor', termo, no Brasil, associado ao funcionalismo público. Decidimos, então, alterar para algo mais próximo ao conteúdo, com um apelo diferenciado, já que unia o mundo administrativo à busca espiritual, o que nos parecia extremamente provocador", conta Tomás Pereira, diretor-editorial da Sextante, que não buscou criar uma linha de títulos que pegasse carona no sucesso do "Monge".

"Livros de negócios e de light business acabam por refletir o que se discute no universo profissional. Não adianta perseguir um gênero, mas acompanhar as transformações na forma de conduzir esses negócios. Caiu o conceito da agilidade a qualquer preço. Atualmente, o líder na corporação é quem consegue administrar o próprio tempo, trabalhando em equipe sem se esquecer da vida pessoal e de empregar algum esforço pela sociedade. Não existe uma fórmula que produza essa pessoa, então procuramos títulos que auxiliem cada um a encontrar a tranqüilidade, a desenvolver a compaixão, a dedicar-se aos outros dentro de uma realidade de competição acirrada", completa Tomás Pereira.

Para a diretora-editorial de livros universitários e de negócios da Editora Saraiva, Flávia Brazin, alguns temas apenas ganham novas denominações. Uma delas é gestão, utilizada genericamente em Portugal com o sentido de administração. "Gestão de pessoas substituiu o termo recursos humanos. Podem surgir novas roupagens, mas trabalhar em empresas é gerir e lidar com pessoas", comenta. "Embora a Saraiva tenha livros de recursos humanos clássicos que ainda empregam esse nome - 'Recursos Humanos: Princípios e Tendências'(420 págs., R$ 88), de Francisco Lacombe, com novas tiragens todos os anos -, fugimos de títulos muito parecidos quando optamos por algo diferente para uma das nossas apostas de 2007: 'Gestão do Fator Humano' (400 págs, R$ 79), organizado por Darcy Hanashiro, Laura Zaccarelli e Maria Luisa Teixeira."

A adequação de um título às características locais é determinante para o sucesso de um livro. Autores brasileiros geralmente ouvem as sugestões e/ou determinações dos editores sobre o nome de seus livros. Editores geralmente têm liberdade para alterar títulos que vêm de fora. "Quem resolve mesmo o que será tendência, o que veio para ficar, é o leitor. Por isso, um bom título tem de causar o mesmo impacto que manchetes de jornais e revistas, atraindo a atenção do leitor no meio de tantos estímulos concorrentes. Transformamos 'O Câncer nas Organizações', um título muito pesado, em 'Por Que as Organizações Adoecem?: e Como Você Pode Curá-las'(Ícaro Guimarães, 160 págs., R$ 29)", relata Flávia Brazin.

Paul Christoph, diretor-editorial da Campus/Elsevier, detentora de um dos mais volumosos catálogos na área de negócios, finanças e investimentos, concorda. Rompendo com a tradição de títulos informativos e discretos, em junho a Campus lançará "Chega de Babaquice!", em que Robert Sutton critica os excessos autoritários de chefes em geral e indica empresas onde a agressividade é condenada.

"Não existia opção que melhor traduzisse a idéia da obra, que Sutton chamou de 'The no Asshole Rule' (A Regra de não Aceitar Babacas). Decidimos, então, manter a versão em inglês", diz o diretor-editorial da Campus/Elsevier. A editora tem investido em livros sobre gestão empresarial e compromissos com o meio ambiente ("Mercado de Carbono e Protocolo de Quioto", de Gabriel Sister, 200 págs., R$ 39,90), além de práticas de inclusão social ("A Empresa Sustentável", de Andrew Savitz e Karl Weber, 304 págs., R$ 69) e administração do serviço público ("Gestão Pública Eficiente", de Florencia Ferrer, 208 págs., R$ 59,90).

Novidades que mencionam países asiáticos começam a aparecer nas prateleiras das livrarias. "Ainda não é uma tendência no Brasil, mas estamos atentos, pois nos Estados Unidos, a China e a Ásia figuram em muitos títulos", informa Paul Christoph.

Enquanto os métodos asiáticos de administração não conquistam o leitor brasileiro, a aproximação com a sabedoria chinesa já tem mais de 20 anos para o público de livros de negócios. "Estou relançando 'Marketing de Guerra' (Al Riese e Jack Trout, 224 págs., R$ 72), que chegou ao Brasil em 1980, citando os estrategistas Von Clausewitz e Sun Tzu. Clausewitz não caiu no gosto do público, mas Sun Tzu abriu um filão", lembra Milton Mira de Assumpção Filho, da M. Books, que vai lançar uma nova coleção de manuais de administração baseada na "Arte da Guerra", o manual de estratégia escrito há mais de dois mil anos.

Dois séculos depois, o estilo do chinês Sun Tzu de expor táticas militares agradou tanto aos leitores de livros sobre relacionamentos pessoais quanto aos que encaravam as disputas corporativas como batalhas. As livrarias brasileiras apresentam pelo menos 238 livros que têm "A Arte da Guerra" no título. Na mesma linha, na introdução de "Estratégia Samurai" (JBC Editora, 112 págs., R$ 32,90), o autor Boyé Lafayette explica que o tratado deixado pelo espadachim Miyamoto Musachi, em 1645, pode ser aplicado em esportes, negócios e na guerra.



Já o americano Stanley Bing considera os herméticos conselhos de Sun Tzu uma balela. No cáustico "Sun Tzu Era um Maricas - Conquiste Seus Inimigos, Favoreça Seus Amigos e Pratique a Verdadeira Arte da Guerra" (Rocco, 264 págs. R$ 33), ele afirma que, para vencer nos negócios, é mais útil conhecer o livro de Mao Tsé-Tung do que o Tao.

18.5.07

Valor Econômico - Eu & Livros

Como operar no mercado de capitais

Bolsa ultrapassa os 50 mil pontos e eleva a demanda por obras sobre investimentos em ações.
Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio



Tão otimistas quanto os investidores que acompanham as sucessivas altas da Bovespa, as editoras brasileiras comemoram o aumento de vendas de livros de finanças pessoais, que destrincham jargões e comportamentos das bolsas de valores sem oferecer receitas de sucesso nos negócios. “O segmento cresceu. Os livros de finanças pessoais correspondiam a 18% das vendas no ano passado. Ainda não fechamos os números, mas sabemos que os índices foram maiores nos primeiros quatro meses de 2007”, diz o diretor editorial da Campus, Paul Christoph.
Diretora editorial de Livros Universitários e de Negócios da Saraiva, Flávia Bravin conta que as vendas dee obras do gênero da editora também subiram mais de 100% nos primeiros três meses do ano em relação ao trimestre anterior. “Entre janeiro e março, época de movimento fraco por causa das férias, vendemos mais que o dobro”.
O elo entre os títulos de investimentos pessoais de diversas editoras é a educação financeira do brasileiro. Os livros não apenas derrubam as fronteiras de um universo desconhecido como indicam a necessidade de montar planilhas de custos pessoais, identificar gastos desnecessários e guardar recursos para investimentos.
“Procuramos lançar livros que partam do zero e acompanhem a evolução do leitor na área, ensinando o básico: a gastar menos do que se ganha para ter um valor a ser investido, a diferenciar taxas de juros e, depois, chegar ao mercado de ações”, diz a diretora da Saraiva, que tem diversos títulos voltados para leigos. Por muito tempo, professores de Finanças dedicaram-se a estudar e a fazer o que há de melhor para o dinheiro das empresas, das pessoas jurídicas. Agora o foco é com o das pessoas físicas”.
Alguns dos livros, como a coleção “Você tem mais...”, se voltam diretamente ao leitor, enquanto outros seguem o estilo consagrado em best sellers de auto-ajuda, passando conceitos por meio de uma trama com personagens em busca de esclarecimentos.
“Criamos um enredo que tornasse a leitura mais agradável. As pessoas têm resistência ao tema, que associam a algo chato ou complicado, têm trauma com Bolsa de Valores, que consideram um cassino ou uma loteria”, afirma Luiz Gustavo Medina, um dos autores de “Investindo em Ações” e “Investindo sem Erros”, que estão na quinta edição.

A intenção de boa parte dos autores é confessadamente didática, seguindo indicações das próprias editoras, que perceberam o interesse da classe média brasileira em travar contato com o mercado de capitais, algo impensável antes da estabilização da moeda. Ao lado de manuais técnicos e de obras destinadas a quem já tem alguma familiaridade com investimentos estão títulos que aconselham diretamente o leitor a organizar sua vida financeira antes de pensar em investir em ações. Em geral, os livros têm o seguinte formato:

Não apresentam exemplos de investimentos bem sucedidos;
Recomendam que o leitor organize sua vida financeira, montando planilhas de gastos, evitando compras a crédito e cortando despesas;
têm estilo leve e divertido, por vezes recorrendo a personagens para conduzir os esclarecimentos sobre mercado financeiro;
dão conselhos diretos e fazem campanhas politicamente corretas, informando que entre os benefícios obtidos por quem deixa de fumar está a economia média de R$ 700 por ano ou que vale a pena aplicar ações em empresas socialmente responsáveis;
trazem glossários sobre o jargão financeiro;
e mostram as desvantagens em compras financiadas, no uso do cartão de crédito e de cheques especiais quando as taxas de juros são elevadas.
Medina afirma que seus livros querem afastar os temores dos neófitos e mostrar que o mercado de capitais “é um mecanismo vital para o crescimento do país e investir em ações é a possibilidade de tornar-se sócio minoritário de uma grande empresa”.
Maioria entre os compradores de livros, as mulheres merecem tratamento diferenciado nos de finanças pessoais, que abordam aspectos emocionais femininos na relação com dinheiro. “Meninas normais vão ao shopping, meninas iradas vão à Bolsa” (Saraiva), das jornalistas Mara Luquet – colunista do Valor - e Andréa Assef, lançado no ano passado, já vendeu mais de 10 mil exemplares. Texto de um talk-show, o livro se destina a mulheres de 20 a 50 anos, combinando advertências quanto às armadilhas do consumismo e a necessidade de dominar linguagem e operações com dinheiro.
O mesmo propósito é o da economista Eliana Bussinger, que em “As Leis do Dinheiro para Mulheres” (Campus), ressalta a necessidade de compreender o mercado, decidindo em que aplicar sem depender das recomendações do gerente do banco. “Falta às mulheres a segurança que só o conhecimento do mercado traz. Elas precisam se desapegar emocionalmente do investimento”, afirma Eliana. “Já ouvi justificativas para manter ações de uma companhia porque o presidente da empresa é muito gato”.
O sucesso dos livros de finanças pessoais não deixa órfãos os leitores mais afeitos aos segredos do mercado financeiro. “Aprenda a Operar no Mercado de Ações” (Campus), de Alexander Elder, um guia para investidores, vende cerca de 10 mil exemplares ao mês desde o aumento de movimento nas bolsas. Um livro tradicional sobre o assunto como “Comprar ou vender? Como investir na bolsa utilizando análise gráfica” (Saraiva), de Eduardo Matsura, teve, somente este ano, vendas 55% superiores ao mesmo período de 2006, afirma Flávia Brazin.
Os relatos pessoais sobre carreiras bem sucedidas ainda têm destaque na literatura de negócios. “Investimentos: Os Segredos de George Soros & Warren Buffett” (Campus), de Mark Tier, foi lançado pela Campus há dois anos. Está na quinta edição. “Esses livros têm uma vida útil longa, podem permanecer anos em listas dos mais vendidos”, diz Christophe.
Em “O Mercado de Ações ao Seu Alcance” (Landscape), o investidor Joel Greenblatt fala sobre investimentos através de personagens que demonstram empreendedorismo desde a infância, apresentando uma fórmula para identificar oportunidades de bons negócios.

Foi exatamente para fugir de fórmulas de enriquecimento e relatos pessoais que o economista Juliano Lima Pinheiro lançou, em 2001, “Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas” (Editora Atlas). Em sua quarta edição, o livro passou por atualizações e recebeu o selo da Bovespa: “Esta é uma área sem literatura própria, com meia dúzia de volumes técnicos e muitas histórias de experiências próprias sem embasamento acadêmico. A princípio, planejei um manual para estudantes da área, mas hoje ele atinge um público maior, aquele interessado que só conhece a Bolsa através da mídia, mas que gostaria de fazer aplicações. A leitura permitirá a esse leigo definir o que pretende ser, um especulador ou um investidor”, acredita Juliano.

6.5.07

Do Globo on Line - blog Repórter de Crime

O blog do Jorge Antônio Barros, Repórter de Crime, abriu espaço para esta matéria minha. Segue o texto do Jorginho.



Enquanto haverá hoje manifestação na praia pela legalização da maconha, há outros que se mobilizam na luta contra a violência urbana no Rio. A reportagem especial deste domingo é da jornalista Olga de Moura e Mello, que fez a meu pedido a matéria abaixo porque alguém tem que continuar trabalhando. E, para alegria dos que estão descascando o Mino Penna Firme, eu mesmo fiz questão de postar, de um cybercafé no Aeroporto Internacional, enquanto esperava o vôo para minha ilha no Pacífico.


Olga é jornalista, carioca por nascimento, convicção e insistência. Longe da cobertura diária das redações de jornal, mantém a militância pela cidade e é autora do blog Arenas Cariocas ( www.arenascariocas.blogspot.com).

Aqui vai a íntegra:



"A manicure carioca Nelly Bezerra do Nascimento não gosta de multidões. Sente-se angustiada ao perceber qualquer ajuntamento de pessoas. Nelly tem sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, desencadeados a partir da noite de sábado de oito de fevereiro de 1992, quando conversava com amigos em um bar na Rocinha, onde vive desde que nasceu, há 35 anos. Sem qualquer motivo aparente, homens passaram correndo trocando tiros. Um deles atingiu Nelly na perna esquerda, onde permanece até hoje. “Os médicos preferiram não operar, já que a bala não atingiu o osso nem afetou a musculatura. Doeu muito na hora, incomodou por algum tempo. Depois, ficou só essa sensação ruim”, conta Nelly, uma das vítimas diretas da violência do Rio de Janeiro, cidade onde quase todos os moradores sofreram ou conhecem alguém que passou por alguma experiência traumática.

A literatura sobre desordem e estresse pós-traumático é extensa nos Estados Unidos, que tem diversos estudos com veteranos de guerra mulheres vítimas de estupro ou violência doméstica, na segunda metade do século XX. No Brasil, uma das mais recentes pesquisas sobre o assunto está no livro “As Vítimas Ocultas da Violência na Cidade do Rio de Janeiro” (Civilização Brasileira), de Gláucio Soares, Dayse Miranda e Doriam Borges, que entrevistaram 690 pessoas geralmente esquecidas nas estatísticas de violência. Segundo os autores, as mortes violentas – assassinatos, suicídios ou acidentes de automóvel - de 103 mil moradores da cidade no período compreendido entre 1979 e 2001 deixaram profundas marcas psicológicas, econômicas e sociais em até 600 mil cariocas.


As vítimas ocultas


“Não há qualquer tipo de assistência para os que perderam cônjuges, filhos, pais, amigos. Essas pessoas vivem um longo período de desânimo, apáticos, com a sensação de que não têm futuro, deprimidas e sofrendo distúrbios de sono. Não existe apoio do Estado, que, ao contrário, não trata com respeito quem faz o reconhecimento de um corpo ou passa por um exame de corpo de delito. Muitas vezes, ao chegarem a um necrotério, essas pessoas ainda têm que lidar com extorsão para conseguir a liberação do corpo. Como essa situação só vem se agravando, o setor público deveria criar mecanismos de ajuda às vítimas ocultas da violência”, sugere Gláucio Soares, coordenador da pesquisa.




Os pais de João Hélio, Edna e os pais de Gabriela: união contra a violência no Rio, apesar de eventuais divergências porque ninguém é perfeito e nem deve querer unanimidade absoluta


Para enfrentar a perda da filha Gabriela Prado Ribeiro, que morreu aos 14 anos, atingida por uma bala perdida em tiroteio dentro de uma estação do metrô carioca, em 2003, os pais da menina criaram o movimento Gabriela Sou da Paz (www.gabrielasoudapaz.org). “Conseguimos que Gabriela não fosse apenas mais um nome na estatística. Vivemos em estado de guerra, a violência mata 105 inocentes por dia no Brasil”, diz Cleyde, mãe da adolescente, que tenta comparecer a todas as manifestações em memória de pessoas assassinadas. “Tenho obrigação de apoiar os amigos da dor, sei o que é ter um plano de vida interrompido. Não era isso que eu queria da vida, mas em algum momento, a morte de Gabriela fará diferença nesse processo”, acredita Cleyde.


Morte de João arrasta manifestantes


Em fevereiro, a morte de João Hélio Vieites, de 5 anos, arrastado por sete quilômetros, preso ao cinto de segurança do carro, fez eclodir uma onda de protestos públicos contra a violência. O primeiro, depois da missa de sétimo dia por João Hélio, foi a caminhada de 600 pessoas pelo Centro do Rio, pedindo a redução da maioridade penal. Entre os atos que se seguiram, manifestações com maior apelo visual vêm sendo montadas por dois grupos. Um é organizado pelo músico Tico Santa Cruz, da banda Detonautas, engajado na causa de combate à violência desde a morte do guitarrista do grupo, Rodrigo Netto, durante um assalto. O outro grupo é o Rio de Paz, capitaneado pelo pastor presbiteriano Antônio Carlos da Costa.


O Palácio Tiradentes, onde funciona a Assembléia Legislativa fluminense, já teve suas escadarias manchadas de vermelho no ato que recebeu o nome de “Contagem de Corpos”, promovido por Tico Santa Cruz, que também coordenou outra manifestação na qual os participantes se cobriram de branco, representando os fantasmas da política e servidores públicos corruptos. O movimento Rio da Paz (www.riodepaz.org.br) já fincou 700 cruzes nas areias da Praia de Copacabana para simbolizar o número de mortos em todo o estado do Rio de Janeiro do início do ano até março. Semanas depois, mil pessoas se deitaram na Avenida Atlântica, sinalizando que a violência já havia feito mil vítimas no estado. Em 19 de abril, a entidade voltou a marcar presença em Copacabana instalando 1.300 rosas nas areias, para demonstrar que a violência fluminense já fizera 1.300 vítimas.


A contagem do Rio de Paz se baseia nos cálculos do site Rio Body Count (www.riobodycount.com.br), que desde 1º de fevereiro traz o número de mortos e feridos a bala no Estado, baseado em notícias de jornais. Enquanto as autoridades informam que os índices de violência estão aumentando, o escritor Marcos Rolim, autor de “A síndrome da Rainha Vermelha – Policiamento e Segurança Pública no Século XXI” (Zahar), afirma que os registros estão abaixo do número real de crimes. “Na Inglaterra, onde a população respeita a polícia, calcula-se que sejam praticados até seis vezes mais crimes do que constam nos boletins de ocorrência. Aqui, acredita-se que o número de crimes seja dez vezes maior do que o divulgado”.

Descrédito em instituições provoca desânimo

Para Rolim, o descrédito nas instituições poderia explicar a falta de entusiasmo que as manifestações despertam em boa parte dos cariocas. Uma enquete espontânea do Globo on Line mostrou que 69% de 3.354 internautas não vêem eficácia nesse tipo de protesto. O artista plástico Jonas Prochownik, morador de Copacabana, a princípio ficou chocado com as cruzes fincadas na areia da praia: “Plasticamente, funcionou muito bem, mas senti que faltava ali uma proposta concreta”. O antropólogo Luis Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança do Rio de Janeiro, defende a legitimidade das manifestações que expressam “apenas a indignação, o luto, a dor”, mas concorda com Jonas: “Só haverá adesão em massa a um projeto objetivo de mudança da situação em curso. Não é que o povo esteja apático, inerte. Estamos, talvez, mais céticos depois de vinte anos de manifestações contra um conceito abstrato e muito vasto, que é a violência”.


O diretor executivo do Viva Rio (www.vivario.org.br), Rubem César Fernandes, que, ao lado do sociólogo Herbert de Souza, esteve à frente de grandes mobilizações populares pela segurança no Rio, admite que há momentos em que sente fraquejar seu entusiasmo na busca pela paz. Mas isso não dura muito: “Há noites em que eu desanimo, depois de abraçar mais um pai desesperado pela perda de um filho, mais um filho revoltado pela morte de sua mãe. No outro dia alguém me procura com uma nova proposta de discussão, um projeto diferente de conciliação. Aí, já volto a me entusiasmar, mesmo sabendo que a solução ainda está muito distante e que talvez eu nem veja um Brasil mais justo e mais pacífico”, acha Rubem César.